ROTA CISTERCIENSE DO ALTO MINHO-GALIZA PROJETA-SE NA EUROPA
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Decorreu no Mosteira de Alcobaça, inscrito na Lista do Património Mundial da Humanidade pela Unesco, em 1989, o notável evento III Encontro Internacional de Abadias Cistercienses.
Seguir o itinerário desde o Alto Minho até ao conjunto monacal cistercienses em Alcobaça, é motivo para avivar toda a referência histórica, artista e mística que nos legou aquela abadia, e recordar o que Dom Maur Cocheril escreveu no livro dedicado à Igreja abadia-mãe: “A mais pura e majestosa igreja construída pelos cistercienses”.
Percorrer os espaços do mosteiro de Alcobaça, desde a igreja, passando pelo refeitório até ao dormitório, é descobrir “a alma do lugar” e comungar emoções dos homens que viveram em “território do infinito” e “num tempo sem tempo”.
OS MONGES IMPRESSIONARAM COM A SUA MARCA UMA TERRA
“Quando os monges, durante séculos e séculos,
impressionaram com a sua marca uma terra,
ainda que não ficasse da moradia dos monges
senão uma pedra que se desagrega,
senão um grão de areia que se esmorona,
a pedra, a areia falam dos monges.
Mesmo que a pedra e o grão de areia desaparecessem,
a terra, a velha e nobre terra,
a terra sobre a qual os monges se debruçavam,
o vale em que rezavam,
as árvores que plantavam
continuariam a falar deles.
Porque, durante séculos e séculos os monges impressionaram com a sua marca uma terra”.
(Dom Maur Cocheril)
SESSÃO SOLENE DE ABERTURA
A receção aos participantes do encontro internacional concretizou o capítulo LIII: “do acolhimento dos hóspedes de acordo com a regra de S. Bento”.
A inauguração dos trabalhos realizou-se na sala das conferências, sendo presidida pela Dra. Ana Pagará, diretora do Mosteiro de Alcobaça.
Na mesa da presidência encontravam-se a Diretora-Geral do Património Cultural, Dra. Paula Silva; Presidente da Câmara de Alcobaça, Dr. Paulo Inácio; representante da Carta Europeia das Abadias, Dr. Gerard Berreux; Diretor do Instituto Europeu dos Itinerários Culturais, Dr. Stefano Dominioni e o Procurador da Ordem Cister, D. Lluc Torcal.
Realizaram-se intervenções de elevado nível cultural, lançando olhares pelo património cistercienses europeu, rasgando perspetivas “Para além das Fronteiras: O Património Cisterciense e a Identidade Cultural Europeia hoje”.
COMUNICAÇÕES CIENTÍFICAS
As seções científicas tiveram a intervenção de grandes especialistas de história, antropologia, e da arte arquitetónica, com a acentuada preocupação pela divulgação e salvaguarda do património cisterciense.
Tiveram a participação de notáveis personalidades culturais da Itália, França, Alemanha, Polonia, Portugal, Galiza, Bélgica, Dinamarca e Espanha.
A Dra. Ana Pagará Diretora do Mosteiro de Alcobaça dirigiu as seções científicas com grande nível cultural, e o Subdiretor-Geral do Património Cultural Dr. Filipe Silva suscitando reflexões pertinentes acerca das boas práticas do riquíssimo património português e a sua valorização no “conserto universal das culturas”.
É de sublinhar, que para melhor resultado do III ENCONTRO INTERNACIONAL, houve o serviço de tradução simultânea em português, francês, inglês, tendo todos os atos sido gravados em audiovisual.
Durante os dias do Encontro Internacional realizaram-se várias visitas ao conjunto monacal de Alcobaça.
DIRETOR DO INTITUTO EUROPEU DOS ITINERÁRIOS CULTURAIS
A conferência inicial foi proferida por Stefano Dominioni, Secretário Executivo do Acordo Paralelo Europeu sobre Rota Culturais – Conselho da Europa (EPA).
Stefano Dominioni exerce também a missão de Supervisão da Certificação pelo Conselho da Europa das Rotas Culturais e do Património Europeu, no âmbito dos seus 47 estados – membros.
Igualmente é responsável pela avaliação regular das atuais 33 Rotas Culturais Certificadas, e ainda pela implementação de Programas Conjuntos com a Comissão Europeia e pela cooperação com outras Organizações Internacionais, como UNWTO e UNESCO.
O PROJETO COSMOS POBLET
Dom Lluc Torcal, Procurador Geral das Ordem Cisterciense (Roma) apresentou o projeto (Cosmos Poblet) de que destacamos:
“O Mosteiro de Poblet, inscrito na Lista do Património da Humanidade da UNESCO (1991), é uma comunidade de monges cistercienses. Juntamente com a Fundação Populus Alba e fiel à sua vocação e à vontade fundadora do Conde Ramón Berenguer IV de Barcelona, realiza um projeto integral de valor cultural, social, ambiental e eclesial, denominado “Programa Cosmos Poblet”.
A vontade de Ramon Berenguer IV, era que Poblet fosse “um foco de oração e trabalho, um exemplo de cultura e exploração agrícola, isto é, uma semente de fé e civilização”. Poblet tentou ser assim ao longo de sua história até ao século XXI: um compromisso exato que a comunidade atual renovou estabelecendo o “Programa Pobllet Cosmos”.
Nos últimos anos, o Mosteiro de Poblet entrou num processo de mudança, modificação, expansão e abertura que resultou na implementação de diferentes serviços e atividades para visitantes e convidados, realizando uma revisão completa do mosteiro, tendo em conta o respeito pela natureza, os princípios de sustentabilidade e o respeito pelos recursos naturais. O Mosteiro de Poblet acredita que estamos num momento fulcral da história recente para empenhar-nos em melhorar a qualidade de vida da comunidade monástica e dos milhares de visitantes que, ano após ano o visitam, sendo um dos principais monumentos da história da Catalunha, Aragão, Valência e as Ilhas Baleares. É claramente uma referência histórica, arquitetónica, simbólica, religiosa e espiritual de primeira ordem tanto para a Catalunha quanto para a comunidade cisterciense.
Este programa visa desenvolver toda uma série de projetos e ações abrangentes baseados no facto de que Poblet configura uma paisagem, uma tradição e uma unidade entre a dimensão espiritual, cultural, social e ambiental da vida.
Este programa pretende ser uma nova forma de preservar o património da humanidade, uma forma que tem como regra a integração de diferentes níveis do património humano. Por isso, o programa chama-se “Cosmos Poblet”, porque faz do mosteiro e da sua ação um verdadeiro cosmos”.
ROTA CISTERCIENSE DO ALTO MINHO-GALIZA
O coordenador da referida rota, José R. Lima apresentou o projeto cultual de transfronteiriço, tendo os participantes no Encontro Internacional acolhido com muito agrado a comunicação, projetando assim a plano para a Europa, para além das fronteiras, contribuindo para Identidade Cultural Europeia Hoje.
A Rota Cisterciense Alto-Minho / Galiza tem início no Mosteiro cisterciense de Santa Maria do Ermelo, concelho de Arcos de Valdevez, situado junto ao rio Lima, seguindo pelo Soajo, Gavieira e atingindo São Bento do Cando, ermida fundada pelos monges brancos do Ermelo. Atravessa a zona da Branda da Aveleira e Bouça dos Homens, continuando por Lamas de Mouro, descendo por Alcobaça e Adadela para encontrar o Mosteiro Cisterciense de Santa Maria de Fiães, concelho de Melgaço.
A rota prossegue por terras melgacenses e atravessa a zona fronteiriça de São Gregório, seguindo por Cortegada e atravessando o rio Minho.
Ribadavia será ponto de passagem, para logo encontrar em Leiro o Mosteiro Cisterciense de Santa Maria de San Clodio, envolvido pelo rio Ávia e pelos vinhedos das cepas alinhadas e produtoras do vinho do ribeiro.
Continuando o caminho cisterciense ultrapassa-se o Carvallino, passando pelo município de Cea.
Após um denso carvalhal escutando o murmúrio do rio, surge o grande conjunto monacal do Mosteiro de Santa Maria de Osseira, considerado o Escorial galego.
A comunidade onde vivem doze monges seguindo o lema “ora et labora”, testemunham vidas voltadas para o transcendente num tempo sem tempo.
Podemos afirmar que são “os homens residentes em paisagem do infinito”.
Seguindo a tradição monacal produzem licores delicados.
Os mosteiros são mistério, onde “a arte é a epifania do transcendente”.
Pretende-se que a Rota Cisterciense contribua para dar visibilidade a testemunhos do património material e imaterial, que fazem parte do noroeste peninsular conjugando memória e projeto.
O caminho faz-se caminhando…
A paisagem cultural da rota encerra história, antropologia, arte, música, mística, diversas artes e ofícios, e valores éticos e estéticos, num autêntico diálogo com a memória dos homens e das coisas.
OBJETIVOS DA ROTA CISTERCIENSE:
- Dar visibilidade ao património material e imaterial;
- Concretizar leituras multidisciplinares na Rota Cisterciense;
- Reconhecer o valor dos conjuntos monacais no desenvolvimento do turismo cultural e religioso;
- Lançar um olhar humanista e místico sobre 900 anos de História;
- Dar um contributo para o Itinerário Cultural Europeu dos Caminhos de Cister;
- Valorizar o legado “ora et labora”;
- Ligar o Vale do Lima ao Vale do Minho pela montanha, contribuindo para o seu desenvolvimento;
- Fortalecer os laços transfronteiriços, tendo referências memoriais e registos raianos;
- Constatar a existência de laços antigos entre os cistercienses do Alto Minho e Galiza.
Diligenciar a inscrição da Rota na Carta Europeia das Abadias e Sítios Cistercienses.
Na comunicação do projeto foi apresentada a grade obra do Prof. Doutor José Marques, “O Cartulário do Mosteiro de Fiães” que muito dignifica a historiografia portuguesa e internacional.
VISITA DO ABADE CLARAVAL
O Mosteiro de Santa Maria de Fiães e o de Santa Maria do Ermelo receberam as visitas canónicas de D. Edme de Saulieu, abade de Claraval, que se fazia acompanhar pelo secretário Fr. Claude de Bronzeval, acontecimentos que ocorreram entre 20 e 27 de Janeiro de 1533.
“Devido a ser inverno e a temer falta de segurança no percurso directo de Ermelo a Fiães a comitiva que tinha vindo de Ponte da Barca a Ermelo voltou pelo Vale e Arcos de Valdevez, seguindo por Choças, Extremo, Barbeita, Melgaço e Fiães.
aos caminhos da serra, era de Ermelo por Soajo a Adrão e Miradouro e dali em alternativa pela Peneda ou pelo Cando, Branda da Aveleira a Lamas de Mouro” (Bernardo Pintor, 1981).
Prosseguindo por Alcobaça e Adadela para encontrar o mosteiro de Fiães.
O relato da visita do Abade de Claraval foi redigido em latim e D. Maur Cocheril traduziu-o para francês na obra bilingue “Peregrinatio hispanica” (1970).
Aliás, é de referir a grande obra de M. Cocheril referente aos cistercienses em território português, sendo de destacar a edição “Routier des Abbadyes Cisterciennes du Portugal” (Paris, 1978).
Os monges cistercienses cingiam-se a uma rígida clausura, pelo que o mosteiro tinha de ser auto-suficiente.
“Assim, a escolha do local era fundamental. O modelo de implantação do cenóbio exigia um lençol de água próximo e consequentemente um solo circundante fértil.”
Um dístico anónimo regista que “São Bernardo amava os vales, São Bento os montes, São Francisco as aldeias e Santo Inácio as grandes cidades. Assim se traduz de forma paradigmática a preferência dada pelos cistercienses às zonas baixas dos vales irrigados.” (Teixeira, 1999)
Através da história surgem excepções por razões de vária ordem.
As marcas dos cistercienses estão bem vincadas no Noroeste Peninsular e são merecedoras de um olhar patrimonial consistente, pois “o desenvolvimento deve ter em conta a continuidade da vida cultural dos povos”, como se preconiza em textos da UNESCO.
MEMÓRIAS COM LUZES
Ao percorrer os antigos caminhos, veredas e atalhos, seguimos as pegadas dos homens “de lugares do infinito”, que sendo habitantes da terra continuamente falavam com os habitantes do céu, num tempo sem tempo.
Os mosteiros com o rico e diversificado património histórico, antropológico, artístico, agrícola e inclusive tecnologia hidráulica, e a irradiação cultural e espiritual conduzem-nos por memórias com luzes que apontam condutas éticas, estéticas e transcendentais. O ambiente que se respira na área de um conjunto monacal e os sons dos sinos das torres, bem como os timbres das sinetas das portarias ou dos claustros, levam-nos a sentir emoções e a olhar para mais além, para o alto, ultrapassando os camones do tempo e do espaço. Os apelos feitos através dos sentidos, do tacto, do paladar, do olfato, da visão e da audição transportam-nos para o sentido místico, refrescando a alma como se víssemos o invisível. O canto das aves no claustro ou nas granjas une-se ao canto gregoriano das horas litúrgicas. “Cada época deve reinventar para si um projeto de espiritualidade.” A regra de São Bento (Regula Sancta) e a “Carta de Caridade” são obras que apaixonaram através dos séculos multidões incontáveis de monges e onde a “lectio divina” os levava a uma contemplação muda e silenciosa. “A arte é nostalgia de Deus” escreve Mira Schendel. “Não precisa pintar aquilo que se vê, nem aquilo que se sente, mas aquilo que vive em nós.” “O invisível atravessa profundamente a humanidade, e os processos lentos, vertiginosos impercetíveis ou nomeáveis.” (T. Mendonça) A arte é sem dúvida epifania do mistério. Os mosteiros são “mistério”.
SESSÃO DE ENCERRAMENTO DO III ENCONTRO INTERNACIONAL DAS ABADIAS
A Dra. Ana Pagará, Diretora do Mosteiro de Alcobaça fez uma maravilhosa síntese dos dias das sessões científicas.
A coroação do grande evento internacional e cultural, concretizou-se com o lançamento de dois livros referentes á riqueza patrimonial do Mosteiro de Alcobaça, Património Mundial da Humanidade.
Assim, o Prof. Doutor Virgolino Ferreira Jorge, que criou o Mestrado em Recuperação do Património Arquitetónico e Paisagístico e o Doutoramento em Conservação do Património Arquitetónico, na Universidade de Évora, na década do 90 do século passado, conjuntamente com o arquiteto Gonçalo Ribeiro Teles, apresentou a obra é intitulada “RATIO FECIT DIVERSUM” (Ensaios sobre a Abadia de Alcobaça) e fazendo parte das grandes publicações do conjunto monacal.
O Professor Catedrático Aires A. Nascimento, é autor de mais de 35 obras, cabendo-lhe a ciência Codiologia nas Universidades Portuguesas e entregada nas ciências filológicas.
O Prof. Aires Nascimento subscreveu mais de 400 artigos em ensaios especializados.
Foi Prof. Catedrático da faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e Diretor do Centro de Estudos Clássicos da mesma Faculdade.
É membro efetivo da Academia de Ciência de Lisboa e membro de Mérito da Academia de História.
Após vários anos de pesquisa e investigação apresentou a obra “O SECRIPTORIUM DE ALCOBAÇA” – O Longo percurso do livro manuscrito português.
A cultura portuguesa ficou grandemente enriquecida com as 2 obras referenciadas.
Honra ao mérito “daqueles que por obras valorosas se levantam”.
Como nota de reportagem registamos a participação do Pe. Belmiro Amorim, do Mosteiro do Ermelo, tendo oferecido várias publicações relativas ao conjunto monacal situado à beira do Rio Lima.
José Rodrigues Lima