“Se continuarem a fechar as fronteiras teremos de retirar nossos filhos da escola em Portugal”
As voltas que Rocio Pereira foi obrigada a dar desde o encerramento de fronteiras entre Portugal e Espanha não aumentaram só em tempo e quilómetros percorridos, mas, sobretudo, em desgaste pessoal e das duas filhas.
A creche e a escola em Vila Nova de Cerveira frequentadas pelas duas filhas, uma de 6 e outra de 11 anos, fica a nove quilómetros de casa, em Tomiño, na Galiza.
Até à pandemia de covid-19, que trouxe com ela o encerramento de fronteiras entre o Alto Minho e a Galiza, bastavam 10 minutos para deixar as meninas no município vizinho, do outro lado do rio Minho, atravessando os cerca de 500 metros da ponte internacional da Amizade, atualmente encerrada.
Decidiu não desistir do ensino em Portugal, “onde as meninas são tratadas como família”, e passou a fazer nas quatro viagens diárias, de levar e ir buscar as filhas, cerca de mais 80 quilómetros.
Como “se não bastassem” os quilómetros a mais, há ainda “filas” de carros para enfrentar na ponte internacional que liga Tui, na Galiza, a Valença, no distrito de Viana do Castelo, a única passagem mais próxima de casa e em funcionamento permanente.
A espera atinge, “por vezes, os 50 minutos” e, após apresentar a declaração da escola para poder passar, tem ainda de percorrer a distância entre Valença e Vila Nova de Cerveira, para deixar a “pequenita” na creche e a “mais velha” no centro escolar.
O marido trabalha em Vigo e cabe a Rocio a tarefa de levar as meninas à escola. Tem de as tirar da cama mais cedo e confessa não ser fácil “aguentar” as crianças tanto tempo “em filas”, ansiosas por chegarem à escola.
“Espero que não seja por muito mais tempo”, desabafou, referindo-se ao encerramento de fronteiras.
Rocio Pereira não quer que as filhas deixem de estudar em Portugal, mas admite que se continuarem a fechar fronteiras a quem delas efetivamente precisa não terá outra solução senão matricular as crianças no ensino espanhol.
“Algumas das pessoas da creche são como família”, destacou.
A filha mais velha, de 11 anos, hoje a frequentar o primeiro ciclo, entrou aos seis meses na creche de Vila Nova de Cerveira por falta de vagas em Tomiño.
Foi ficando por ser “muito bem tratada” e quando nasceu a irmã, hoje com 6 anos, os pais “nem pensaram duas vezes e matricularam-na no ensino português”.
“A minha filha mais velha vai fazer 12 anos e desde os seis meses que anda na creche em Cerveira. Gostei sempre da forma como sempre me trataram. Até cheguei a conseguir vaga aqui em Tomiño, mas não troquei”, disse a mãe, de 47 anos.
A língua não foi obstáculo na aprendizagem, e “quem ouve a mais velha a falar em português não percebe que é espanhola”.
O casal Pablo Fernandez e Miriam Padín deixou de levar os filhos à escola, uma menina de 5 anos matriculada no centro escolar de Cerveira e um menino de 3 na creche, por “razões profissionais”.
O trabalho de ambos, residentes em Tomiño, não permite “perder tanto tempo” com as viagens que se tornaram “tão longas”.
Pablo passou a entrar mais tarde no emprego, enquanto Miriam faz “jornada contínua” para sair mais cedo.
“A única opção foi deixá-los com os avós porque não temos como fazer”, explicou Miriam.
A creche fica a cinco minutos de casa e agora parece estar do “outro lado do mundo”. “Passou para o dobro de quilómetros. De cinco minutos a meia hora, sem contar com a espera na ponte internacional entre Tui e Valença”, referiu a mãe.
O casal decidiu apostar no ensino em Portugal, “uma espécie de Erasmus”, porque queriam enriquecer o percurso académico das filhas desde muito cedo.
“São bilingues. Falam tão bem o espanhol como o português, mas não podem continuar a perder tanto tempo (…). Se continuarem a fechar as fronteiras teremos de as retirar da escola em Portugal”, disse Miriam.
Revoltada, a galega lamenta o prolongado encerramento de fronteiras.
“Se não querem reabrir as fronteiras a todos, aos espanhóis que querem ir às compras a Portugal, ou aos portugueses que querem vir abastecer os carros de combustível, abram-nas para os trabalhadores transfronteiriços e para as crianças que estudam em Portugal. Uma coisa é secundária, a outra é uma prioridade. As crianças não podem continuar sem frequentar a creche e a escola”, frisou.
Pablo reforçou o apelo da mulher, dizendo que a empresa onde trabalha está a enfrentar dificuldades por ter “muitos clientes e fornecedores portugueses”.
“Reabram as fronteiras para quem trabalha”, insistiu.
Segundo dados fornecidos à Lusa pela Câmara de Vila Nova de Cerveira, “10 crianças galegas frequentam a creche e jardim de infância da Santa Casa da Misericórdia, das quais três já desistiram” por causa do encerramento da ponte.
No concelho “mais três crianças galegas frequentam a creche de Campos, e quatro alunos o primeiro ciclo”.
Na segunda-feira, depois de quase dois meses de novo confinamento geral para controlar a pandemia em Portugal, as creches, o pré-escolar e o primeiro ciclo voltaram a abrir portas.
Na semana passada, o primeiro-ministro António Costa disse que as fronteiras terrestres entre Portugal e Espanha vão continuar fechadas até à Páscoa.
Atualmente, das oito passagens que ligam o distrito de Viana do Castelo às Galiza, o atravessamento da fronteira durante 24 horas apenas está autorizado na ponte nova de Valença. Há ainda em Monção, Melgaço, no Lindoso, Ponte da Barca, pontos de passagem que estão disponíveis nos dias úteis, das 07:00 às 09:00 e das 18:00 às 20:00.