“Quem não chora não mama”
Antes de entrar em questões culinárias como prometido, vou começar por historiar o que foi a epopeia da pesca do bacalhau. A história da pesca do bacalhau pelos portugueses é referenciada já em 1353. À época, D. Pedro I e Edward II, da Inglaterra, estabelecem acordo para pescarem no litoral da Inglaterra por 50 anos. Todavia, portugueses não mantiveram o monopólio. Após o século XVI, outros ocuparam a posição.
Só no início do século XX a recuperam. Como pescavam? num navio a que chamavam lugre em geral tinha 60 metros de comprimento e cerca de 9 metros de largura, 4 mastros, e capacidade para 900 a 950 toneladas de bacalhau salgado, podia levar 60 pescadores. Se considerarmos mais os oficiais e a restante tripulação, veremos que não é fácil viver num navio durante seis meses. Sim porque as últimas temporadas de pesca do bacalhau eram de seis meses. A pesca de bacalhau à linha era um homem, um dóri. (Pequeno barco de pesca, de fundo chato, usado nos mares do Norte como barco auxiliar de uma embarcação maior, pesca do bacalhau) Pescavam 12 horas ininterruptas. Não levavam colete salva vidas, nem mesmo comida. Apenas os mais “ricos” tinham garrafa térmica com café. Os dóris afastavam-se dos navios para tentar melhor pescaria.
O trabalho era duro, 15 horas por dia. Os dóris eram lançados à água às 4 horas da manhã. Pescavam até encher os barcos que mal flutuavam. Na volta processavam, salgavam e guardavam o pescado nos porões. Isso quando não eram surpreendidos por tempestades como acontece frequentemente em altas latitudes. Vivia-se uma época em que a vida dos bacalhoeiros era uma espécie de degredo. As condições de vida eram as piores e a alimentação era racionada. Estes homens, pelo seu esforço, desgaste físico e psicológico, tinham demasiadas necessidades. Fazer uma refeição extra que surgiu, pelas dificuldades, pela “fome” dos nossos pescadores bacalhoeiros. Resolvem, munir-se de um fogareiro e uma panela e havia que cozinhar uma sopa por conta própria. Peixe, água e sal não era problema, depois era preciso, junto do cozinheiro fazer um choradinho, para que lhes desse um pouco de massa (normalmente pequena), cotovelinho, ou arroz, que se juntava a duas ou três espécies de peixe, condimentada com pimenta ou piripiri. Era fundamental que fosse picante para aquecer, naquele ambiente gelado da Gronelândia. A esta sopa os nossos bacalhoeiros batizaram de “chora” pelo facto de fazerem o choradinho ao cozinheiro.
Aqui vai a receita: Receita da chora
Cozem-se as postas de peixe com água e depois de cozido, côa-se guardando a água. Nessa água, coloca-se cebola às rodelas e tomate (pode ser em polpa), e vai ao lume. Retira-se do peixe, todas as peles e espinhas e desfaz-se em pequenos bocados (ao tirar as espinhas já se vai desfazendo). Depois, deita-se o peixe na água com uns grãos de arroz ou de massa. Tempera-se com sal e pimenta ou piripiri, e junta-se um cubo de caldo de marisco, para apurar o sabor. Serve-se em malgas, acompanhadas com verde tinto igualmente em malgas.
Nota: A polpa de tomate e o cubo de caldo, já é um refinamento da receita, já que na altura ainda não havia estes produtos. sugiro: peixe-espada, salmão, carapau grande, atum fresco, chaputa, robalo, truta, corvina ou bacalhau fresco. Também já fiz com: Cabeças de congro, salmão, corvina e outros. Esta receita foi recolhida na Ribeira de Viana do Castelo, junto dos pescadores bacalhoeiros da Empresa de Pesca de Viana. Provavelmente, seria posta em prática por pescadores de outros portos do Norte.