“Exorto os sacerdotes a que dediquem o melhor do seu tempo para atender os fiéis que procuram uma palavra amiga”
Mensagem de Quaresma /2023
«Completou-se o tempo e o Reino de Deus está perto:
Arrependei-vos e acreditai na Boa Nova» (Mc. 1, 15)
Estamos a aproximar-nos, pessoal e comunitariamente, do tempo quaresmal, caracterizado pela preparação do Povo de Deus para a celebração do Mistério da Páscoa de Jesus Cristo.
Este é um tempo favorável para a renovação pessoal, de cada comunidade cristã e da sociedade no seu todo. Nada na vida cristã fica encerrada no individuo, muito pelo contrário, conscientes da nossa realidade pessoal e das relações que daí advêm, somos impulsionados para uma vida comunitária mais autêntica, aprofundando a relação de comunhão e de unidade, dispondo-nos à participação mais activa na promoção de relações fraternas e a servir a pessoa e a sociedade.
A Boa Nova do Evangelho alenta-nos para a vivermos e irradiarmos num mundo tão dilacerado pela discórdia e pela guerra.
Este é o tempo no qual Jesus Cristo nos convida a fazer um sério exame de consciência, buscando as raízes da iniquidade, do mal e o do pecado. Tanto pessoal como comunitariamente, somos um povo pecador a necessitar de reconciliação.
Neste sentido, torna-se necessário deixarmo-nos converter pelo impulso transformador da Palavra de Deus. Dar espaço para a escuta e interiorização da Palavra de Deus e deixar que Ela ilumine a vida pessoal e de cada comunidade cristã é uma exigência para quem queira fazer uma verdadeira caminhada quaresmal.
Acompanhando a Palavra de Deus, somos sedentos dos gestos libertadores de Jesus Cristo que Ele nos oferece nos Seus Sacramentos, nomeadamente da Reconciliação e da Eucaristia.
Formular o propósito firme de se abeirar dos sacramentos da Cura e do alimento do peregrino é colocar-se com lucidez no itinerário que leva até à experiência da Vida Nova, própria da Páscoa de Jesus Cristo, da qual já vivemos pelo Baptismo.
É na condição de baptizados, discípulos de Jesus Cristo, que nos dispomos para a experiência de quaresma em direcção à Páscoa de Jesus Cristo, sentindo em nós esta passagem do homem velho, dominado e escravizado pelo pecado, para o homem novo, a viver na liberdade de filho de Deus.
Como afirma S. Paulo, «se, pois, ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas lá do alto (…) afeiçoai-vos às coisas lá de cima e não às da terra» (Col.3, 1- 2). Ou, então, noutra passagem o mesmo S. Paulo refere que «foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não torneis a sujeitar-vos ao jugo da escravidão» (Gal. 5, 1).
Ainda na mesma Carta aos Gálatas, S. Paulo exorta-nos com as seguintes palavras: ««Vós irmãos fostes chamados à liberdade. Não tomeis, porém, a liberdade como pretexto para servir a carne. Pelo contrário, fazei-vos servos uns dos outros pela caridade» (Gal. 5, 13).
Eis verdadeiramente o tempo de discernimento sobre a verdadeira liberdade que nos vem pelo amor que nos configura a Jesus Cristo, nos torna dóceis à presença do Espírito Santo e nos afasta da libertinagem que se manifesta nos impulsos desordenados, no egoísmo e no egocentrismo, na ganância e no domínio de uns pelos outros.
Seguir o chamamento de Jesus Cristo, deixar-se moldar nas mãos de Deus, como o barro nas mãos do oleiro (cfr. Jer. 18, 1-6), significa a conversão de coração e uma vontade firme para caminhar no caminho árduo que leva à verdadeira libertação e à edificação do homem novo.
Daí a necessidade da ascese, do jejum e da mortificação. Estes exercícios não são um fim em si mesmos e não devem ser encarados tão só como uma busca de bem estar físico ou mental. São meios que, fortalecendo a vontade, nos encaminham na direcção dos bens futuros pelos quais obtemos a redenção, a salvação e a Vida na sua plenitude. Fazem-nos sair do egoísmo e das amarras das seduções para vivermos no amor a Deus e aos nossos irmãos.
Durante este tempo da quaresma prestemos uma atenção particular às celebrações litúrgicas. Estando a seguir as leituras do ciclo A do ano litúrgico, torna-se mais fácil estabelecer no elenco das diversas semanas um itinerário catecumenal. Este deve ser bem nítido, na Palavra proclamada, nos Sinais que dimanam da mesma Palavra e na sequência dos mesmos Sinais baptismais que, semana a semana, nos oferecem uma vivência profunda da nossa condição de baptizados.
Reforcemos a oração comunitária e a oração pessoal. Ensaiem-se celebrações da Palavra de Deus, ajudem-se os cristãos a celebrar a liturgia das horas em comunidade e promovam-se tempos de silêncio de oração, de adoração.
No contexto da quaresma, dever-se-ia dar espaço para os exercícios espirituais, recolecções, algumas experiências de reflexão. Adaptadas às circunstâncias, sem dúvida, mas tão importantes para criar um clima de tomada de consciência do que o Senhor nos oferece na riqueza deste tempo.
Haja uma autêntica evangelização no que toca ao Sacramento da Reconciliação. Exorto os sacerdotes a que dediquem o melhor do seu tempo para atender os fiéis que procuram uma palavra amiga e os que desejam encontrar-se com as fontes da misericórdia e da ternura de Jesus Cristo através deste sacramento.
A família é um espaço privilegiado para realizar um verdadeiro itinerário quaresmal. Como Igreja doméstica, cada família estabeleça tempos de oração comum, tenha gestos de renúncia e de perdão, dê espaço à Palavra de Deus e exerça a caridade junto dos mais carenciados.
Igualmente os grupos e movimentos desenvolvam um itinerário quaresmal integrados na comunidade cristã e, dando vida aos diversos meios que valorizem este tempo, ajudem a fortalecer o impulso evangelizador da Igreja.
Aos jovens, animados pelas Jornadas Mundiais da Juventude, interpelo com as mesmas palavras que o Santo Padre lhes dirige em ordem a renovarem-se para renovar a Igreja e o mundo de hoje: «levantai-vos apressadamente, a exemplo de Maria, e ide ao encontro dos irmãos para lhes levardes o Evangelho da Esperança».
O Papa Francisco, na mensagem da quaresma deste ano, que tem por tema «Ascese quaresmal, itinerário sinodal», refere: «embora os nossos compromissos ordinários nos peçam para permanecer nos lugares habituais, transcorrendo uma vida quotidiana frequentemente repetitiva e por vezes enfadonha, na Quaresma somos convidados a subir “a um alto monte” juntamente com Jesus, para viver com o Povo santo de Deus uma particular experiência de ascese».
E, num outro passo sublinha que «sabemos que Ele próprio é o Caminho e, por conseguinte, tanto no itinerário litúrgico como no do Sínodo, a Igreja não faz outra coisa senão entrar cada vez mais profunda e plenamente no mistério de Cristo Salvador».
E, por último realçamos mais uma passagem da referida mensagem na qual o Papa Francisco afirma que «além da Sagrada Escritura, o Senhor fala-nos nos irmãos, sobretudo nos rostos e vicissitudes daqueles que precisam de ajuda». E, acrescenta-se, realça o Santo Padre, «a escuta de Cristo passa também através da escuta dos irmãos e irmãs na Igreja; nalgumas fases, esta escuta recíproca é o objetivo principal, mas permanece sempre indispensável no método e estilo duma Igreja sinodal».
Como é habitual, a partir da renúncia, jejum, ascese e partilha a que somos convidados, ouvido o Conselho Episcopal diocesano e dando seguimento ao pedido e ao contributo da nossa diocese no tempo de Natal, o fruto desta renúncia quaresmal deste ano será destinado, em partes iguais, à Igreja da Ucrânia e ao Secretariado diocesano da Mobilidade que acolhe e socorre os imigrantes que dele se abeiram em busca de ajuda.
Coloco esta caminhada quaresmal junto de Nossa Senhora, Santa Maria Maior, S. Bartolomeu, S. Paulo VI e S. Teotónio para obtermos as suas bênçãos e sob a sua protecção caminharmos decididamente pelas sendas da renovação da humanidade.
Viana do Castelo, 16 de Fevereiro de 2023
+João Lavrador, Bispo de Viana do Castelo