“Quando a Senhora d’Agonia entra nas ruas da Ribeira, é impressionante ver a expressão das pessoas, as lágrimas misturadas com sorrisos”

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A Confraria da Senhora d’Agonia é a primeira entidade a quem foi entregue a missão de presidir à Comissão de Honra da Romaria da Senhora d’Agonia. O padre Vasco Gonçalves, responsável pela confraria, que zela pelo santuário da padroeira dos pescadores, enalteceu a confiança depositada pelo presidente da Câmara. Recém-chegado da Jornada Mundial da Juventude, o pároco de Monserrate destacou o trabalho feito por dezenas de fiéis em prol da romaria e ao longo do ano na manutenção do santuário e partilhou o sonho de criar um núcleo museológico, onde possam ser expostos os antigos ex-votos de fiéis, que sentiram a graça da Senhora no mar.

“Acredito que esta atitude do presidente da Câmara de escolher esta entidade para presidir a Comissão de Honra foi para valorizar o envolvimento de muitas pessoas no santuário e nas festas religiosas. Para nós, é uma honra essa escolha por representar todas essas pessoas”, afirmou o responsável da Confraria, cuja missão é preservar o santuário e promover o culto à Senhora d’Agonia.

Na semana em que começou a novena que acompanha a Romaria, o pároco de Monserrate destacou também o culto que existe a outros santos, como S. Roque, que tem uma capela junto ao Santuário da Agonia. “Já tivemos a festa de S. Severino e, no dia 16, celebrámos S. Roque, que foi um jovem romeiro, por quem muita gente tem devoção por ser um grande intercessor nas doenças incuráveis. No domingo a seguir ao dia 20, celebramos a Festa do Santíssimo Sacramento e da Senhora da Boa Morte, no santuário. Portanto, estamos a celebrar muitas festas na mesma romaria, é um tempo muito intenso na vivência da fé”, frisou.

Durante o período da novena, Vasco Gonçalves tem feito o apelo para a preparação espiritual da festa. “Durante estes nove dias, em que vimos aqui procurar as graças do céu, devemos ser portadores de graça. Ou seja, construir a festa implica que cada um de nós, durante estes nove dias, deve empenhar-se muito mais em levar graças aos outros, por exemplo, visitando uma pessoa doente, dando algo a um pobre, reconciliando-se com alguém com quem esteja zangado. No fundo, criar bom ambiente na comunidade, que é um trabalho extraordinário. Assim como limpamos os espaços exteriores do santuário, porque está a chegar a festa, também é importante limparmos o nosso coração, criarmos harmonia para que o dia 20 seja de explosão de alegria”, defendeu.

A Confraria da Senhora d’Agonia é composta por seis elementos, mas ao longo do ano, envolve cerca de duas dezenas de pessoas. No mês de Agosto, é feita uma escala de voluntários para saber como distribuir as diferentes funções e garantir que há sempre alguém no santuário para acolher peregrinos e visitantes. “Nesta altura das festas, envolvem-se centenas de pessoas na organização dos diferentes momentos. Temos de reunir com todos, incluindo a comunidade piscatória, para saber como coordenar toda a gente”, explicou o pároco, que acumula a função de capelão do santuário da Senhora d’Agonia.

Vasco Gonçalves explicou que a elevação da capela a santuário foi algo que “surgiu naturalmente”, fruto do culto espontâneo que o templo, situado ao cimo de uma colina, que foi mais evidente no passado, sempre mobilizou. “Noutros tempos, o rio era muito mais em baixo. O local onde está o convento de S. Domingos chamava-se a colina de Alta Mira. Agora a rua desce um pouco, mas já não é tão expressivo. E aqui também havia uma colina, onde a via-sacra da cidade terminava”, explicou, lembrando que a devoção ao Senhor dos Aflitos está sempre associada à Senhora d’Agonia. “É a senhora junto da cruz com o seu filho morto aos pés, é o final da via-sacra”, enquadrou. A capela de Santa Catarina, onde também existe uma imagem do Senhor dos Aflitos, era o local para onde eram levados os corpos dos náufragos. “A devoção dos pescadores ao longo da costa portuguesa é, sobretudo, ao Senhor dos Aflitos. Daí que exista o paralelo entre o Senhor dos Aflitos na cruz e a Senhora d’Agonia com o filho morto aos pés”, explicitou o pároco, ressalvando que “não é um sentimento de tristeza ou desespero, mas de fé”. “Nas aflições, dores e momentos difíceis, quando o coração dos pescadores e famílias está apertado e angustiado, voltam-se para a Senhora e para o seu filho porque sentem que ali têm uma âncora, uma força de esperança e luz que os ajuda a acreditar”, afirmou.

Vasco Gonçalves salientou que, este ano, cumprem-se 240 anos desde que o Papa concedeu a bula de fixar, no dia 20 de agosto, a solenidade da Senhora d’Agonia. “Foi no final do século XVII e já havia uma consciência do momento alto de festa à Senhora d’Agonia, não acontecendo o mesmo à padroeira da paróquia, que é a Senhora de Monserrate. Significa que a devoção à padroeira dos pescadores foi sempre algo muito forte que foi crescendo no coração das pessoas”, destacou.

Para a Romaria deste ano, a Confraria mandou lavar toda a cantaria do santuário, à excepção da torre. “No interior da igreja também pintámos e depois das festas vamos iniciar o restauro do estuque dos tectos, com o apoio da Câmara Municipal. É um investimento avultado à volta de 60 mil euros”, informou o pároco, desmistificado a ideia de que, durante a Romaria, as esmolas possam atingir esse valor. “A maior receita do santuário alcança-se durante as festas, mas não é assim tão expressivo”, afirmou Vasco Gonçalves, que faz questão de afixar as contas, tanto do santuário como da Igreja de S. Domingos à porta dos templos. “Há uma gestão que tem de ser feita com cuidado e ainda temos uma estrutura à volta do santuário em que estamos a fazer caridade”, acrescentou, dando como exemplo a ocupação de espaços do santuário, a título gratuito, pelos escuteiros e pela delegação diocesana de Viana do Castelo da Associação Católica Internacional ao Serviço da Juventude.

Para o futuro, a Confraria espera fazer parte da estratégia municipal virada para o mar, através de um pequeno museu, onde possam ser expostos os ex-votos, que são pinturas oferecidas por fiéis, depois de sentirem que conseguiram uma graça da Senhora d’Agonia. “Temos ex-votos muito antigos, que mostram a riqueza da devoção, e podem ser ligados às artes e da pesca. Esse é um sonho que gostaríamos de concretizar, permitindo às pessoas valorizarem ainda mais e sentirem a força deste santuário na vida da cidade e na comunidade piscatória de Monserrate”, salientou.

Vasco Gonçalves admitiu que a coincidência da procissão ao mar no mesmo dia do final da Volta a Portugal em Viana do Castelo criou “alguma confusão” no início, mas foi sanado com diálogo. “Depois de passar a procissão no rio é que deverá começar a prova, o que até é uma graça para os ciclistas, se o dia estiver quente”, apontou, reiterando, no entanto, que “o ideal é que no momento da procissão não haja outra iniciativa ao lado”. “A procissão no dia 20 de agosto existe desde 1783, é o coração da festa e a Senhora d’Agonia é a rainha”, reforçou.

Com 50 anos, Vasco Gonçalves é pároco de Monserrate há pouco mais de 10 anos, depois de ter estado em Barroselas. Sacerdote há 24 anos, Vasco Gonçalves é natural de Longos Vales, em Monção, e começou a sua vida paroquial no arciprestado de Melgaço. A primeira vez que participou na Romaria d’Agonia ainda era diácono, no ano de estágio no seminário de Viana. “A impressão com que fiquei da festa não é nada do que sinto agora porque naquela altura estava por fora do que ela significa. Quando passo na Ribeira hoje, é totalmente diferente do que quando passei naquela altura”, assumiu. Enquanto paroquiou em Barroselas, Vasco Gonçalves praticamente não participou na Romaria. Só quando foi nomeado pároco de Monserrate e capelão do santuário é que começou a sentir verdadeiramente o pulsar da festa. “É impressionante viver esta festa. É um momento forte, intenso, não só pelo envolvimento das multidões, mas também pela vivência da fé que se sente, incluindo de muita gente que vem de fora expressar a sua gratidão à Senhora d’Agonia”, declarou.

Nessa medida, o santuário da padroeira dos pescadores pode ser considerado, informalmente, diocesano. No Alto Minho, os santuários diocesanos são o da Senhora da Peneda, o do Sagrado Coração de Jesus, em Santa Luzia, e o da Senhora do Minho. “Há gente de todo o país que traz ofertas, incluindo ouro, à Senhora d’Agonia, e isso mostra que este é um santuário com uma dimensão e força grandes. Há uma multidão de fé muito forte na santa e isso encanta-me”, admitiu, lembrando que a comunidade vianense mantém essa devoção ao longo do ano. “Há uma comunidade de pessoas que são assíduas na vivência da fé no santuário. Durante o mês de maio, por exemplo, temos sempre a igreja cheia todos as noites, para rezar o terço e participar na eucaristia”, assinalou.

A procissão ao mar é o momento que Vasco Gonçalves mais gosta da Romaria, mas destaca o recolhimento do andor da Senhora d’Agonia ao santuário e a inclinação da santa ao Senhor dos Aflitos como os mais especiais. “A procissão ao mar é impressionante pela multidão de pessoas que se junta para aplaudir a Senhora quando passa no rio. E quando ela entra nas ruas da Ribeira, é impressionante ver a expressão das pessoas, as lágrimas misturadas com sorrisos. Parece um momento em que a Senhora, de facto, vem do céu e caminha no meio de nós. E a multidão, que está dispersa e a falar, centra-se na Senhora e impera o silêncio em cada um”, descreveu.