“Livro de Ezequiel Rodrigues até parece o guião de um filme na Facha”

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“Ódios de Fronteiras” é o primeiro romance de Ezequiel Rodrigues, um oficial de polícia que saiu da Facha há quase três décadas, mas guardava na memória relatos e vivências que queria deixar escritas. O romance decorre no mundo rural entre 1960 e 1974, onde não faltam os sonhos de uma vida melhor fora da dependência da casa senhorial, os medos da PIDE e da guerra colonial e as prisões arbitrárias, as paixões e o amor, as traições e as vinganças, os dramas da mãe solteira e da gravidez da filha solteira, a tragédia da morte, a violência doméstica e o sentimento de culpa.

Na estreia na escrita de ficção, Ezequiel Rodrigues desenvolve o enredo da sua história  no mundo rural, conservador e pobre do Minho, como explicou o também fachense Abel Baptista, a quem coube a apresentação do livro. “O fim do Estado Novo é romanceado com imensa ironia e critica subtil, remetendo, muitas vezes, para algum humor”, acrescentou, apontando como exemplos a ironia com as limpezas da Páscoa ou a forma de namorar dos jovens rurais.  “Desde a primeira página que ficamos presos a uma narrativa que vai do simples ao erudito, diria que estamos na presença de um autor que, como dizia Rosado Fernandes é um rústico erudito, aliás, em determinada altura do romance há uma expressão que diz exatamente: os rústicos, em vez de namorar, “falam para” alguém”, afirmou Abel Baptista, mostrando-se agradado com o enredo da história.

“Neste romance somos transportados para uma realidade histórica e rural onde não faltam os sonhos de uma vida melhor fora da dependência da casa senhorial, os medos da PIDE e da guerra colonial e as prisões arbitrárias, as paixões e o amor, as traições e as vinganças, os dramas da mãe solteira e da gravidez da filha solteira, a tragédia da morte, da violência doméstica e o sentimento de culpa. Aqui se vivem as alegrias das festas e das romarias, desde São João D’Arga, a Vaca das Cordas, a Senhora da Aparecida, a Páscoa e as Feiras Novas, neste caso uma festa que não pode ser vivida pelo protagonista da história”, desvendou, garantindo que “o enquadramento histórico-espacial deste romance é muito bem conseguido”.

“Ao lermos parece que estamos na presença do guião de um filme, dada a forma como o autor nos coloca perante os factos – a PIDE e a DGS, as atividades rurais e a forma como eram tratados caseiros, jornaleiros e trabalhadores agrícolas, a deferência que o povo manifestava para os “senhores” aristocratas, os métodos de fazer a lavoura, as crendices (sejam religiosas ou de bruxaria)… tudo nos prende à leitura e para quem vivuu na época, mais precisamente de 1960 a 1974, e no meio rural acaba por se rever em tudo o que aqui é descrito”, salientou, destacando “o fino trato da escrita e a linguagem cuidada sem nunca cair no brejeiro, mas muito sugestiva”. “Consegue ao longo de toda a obra ser profundamente critico da sociedade e da política da época sem nunca ter necessidade de o fazer diretamente. Conforme vamos lendo acabamos por entender a sua mensagem”, sustentou.

Natural da freguesia da Facha, Ezequiel Rodrigues saiu da freguesia há cerca de 30 anos para prosseguir os seus estudos, não escondendo a influência que a professora da escola primária teve na definição do seu percurso. Desde menino que o autor estava habituado a ajudar os pais nas lides da lavoura. No entanto, nunca o impediram de seguir o seu sonho de “querer ir mais além” e, ao fim do dia, sempre o dispensavam dos trabalhos para que pudesse estudar. Saiu da Facha para se licenciar em Ciências Policiais e, mais tarde, fez mestrado e doutoramento em ciências forenses, tendo editado alguns artigos científicos. É oficial de polícia, sendo o actual comandante da Divisão Policial de Vila do Conde da PSP, e é também docente universitário e investigador. “Ódios de Fronteiras” não é a primeira obra da sua autoria. mas marca a sua estreia na escrita de ficção. Trata-se de um romance onde as vivências da sua infância e juventude não ficam de fora.

“Essa foi a minha principal fonte de inspiração”, explicou o intendente de 46 anos, revelando que a vontade de contar esta história já era antiga. “Fui ouvindo os relatos das pessoas, que foram suscitando interesse, curiosidade e até indignação em alguns momentos, nomeadamente do que sofriam às mãos do antigo regime. pensava que tinha que escrever e dar a minha opinião sobre isso”, acrescentou, confirmando que as personagens também têm parecenças com as pessoas que conheceu através desses relatos. “A história é fundamentada em factos verídicos, mas o objectivo não é identificar pessoas nem colocá-las em situações identificáveis. o que se pretende é que seja apenas uma história que retrate uma realidade e tive esse cuidado para que parte da narrativa seja absolutamente ficcionada”, salientou, vincando que “fazia questão” de apresentar este livro na sua terra natal. “Era ponto de honra”, afirmou, garantindo que a sua terra natal “continua a ser um grande porto de abrigo”. “Profissionalmente estou fora desde há 28 anos, mas passo por cá frequentemente, ainda que a permanência aqui seja breve. Espero que um dia possam ser mais demoradas”, desejou, adiantando que um segundo romance está já em andamento. “E farei questão que seja aqui”, garantiu.

Manuel Laranjo, presidente da Junta de Freguesia da Facha, não escondeu o orgulho ao ver um “jovem conterrâneo” apresentar uma obra da sua autoria. “É um militar de carreira, mas foi sempre uma pessoa que teve alguma ligação e gostou muito da escrita, desde o ensino primário”, salientou. Apesar de ainda não ter conseguido terminar de ler o livro, o autarca afirma que o romance “prende o leitor”. “É muito interessante. Conta-nos algumas vivências da freguesia há cerca de 30 anos e que são comuns a outras localidades desta região. É uma mais valia para todos recordarmos o que éramos”, declarou, esperando que o autor possa publicar mais obras. “É muito bom para a freguesia. Facha ainda não tinha nenhum autor e pode ser que este exemplo seja inspirador para outros”, vincou, salientando, no entanto, o acervo que o padre António Baptista deixou para a freguesia. “Escrevia alguns artigos, não com esta dimensão, mas fazia o que podia com os meus que tinha nessa altura”, salientou, revelando que a Junta de Freguesia pretende preservar esse património.

NOTÍCIA COMPLETA NA EDIÇÃO DESTA SEMANA DO “ALTO MINHO”