“Quase nos esquecemos de Sá de Miranda e do Abade de Priscos”

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Vila Verde homenageou o “Papa dos cozinheiros”

Ana Margarida Silva

No dia em que faria 191 anos, Manuel Joaquim Machado Rebelo, mais conhecido como Abade de Priscos, foi homenageado em Turiz, Vila Verde. No colóquio “Vila Verde com Letras e… Sabores”, que antecedeu a homenagem, Mário Vilhena da Cunha, seu sobrinho bisneto, contou a vida e obra da figura histórica e a ligação que a sua avó teve com o Abade de Priscos. Autor do livro “A Vida e as Receitas Inéditas do Abade de Priscos”, Mário Vilhena da Cunha considera que o abade natural de Turiz deve ser relembrado pela “herança cultural” que deixou.

Mário Vilhena da Cunha, de 77 anos, mostrou-se orgulhoso com a homenagem. “O meu tio-bisavô é uma pessoa que deve ser lembrada porque deixou uma herança cultural. A família tem essa herança nas suas mãos”, assumiu, contando que a sua avó viveu com o Abade de Priscos. “A irmã mais velha dela foi viver com ele, mas, como se sentia sozinha, pediu à minha avó para ir ter com eles. Ambas aprenderam com o abade no dia-a-dia. Até se dizia que aqueles pratos eram a comida do tio de Priscos, mesmo o seu pudim”, recordou Mário Vilhena da Cunha que, em 2016, lançou o livro “A vida e as receitas inéditas do Abade de Priscos” com Fortunato da Câmara.

Os participantes do evento tiveram a oportunidade de provar algumas das iguarias do Abade de Priscos, como pastéis de massa tenra, bacalhau, lombo de carne e pudim de Abade de Priscos, no restaurante Torres, em Ponte (S. Vicente). “Nunca tínhamos confeccionado a maioria destes pratos. Tivemos de consultar a família e também o livro de receitas”, confessou Fernando Torres, um dos proprietários do restaurante, para quem as receitas do Abade de Priscos são “únicas”. “Não sei se é possível colocar estes pratos no nosso cardápio porque são muito trabalhosos e exigem muitos requisitos e mão de obra. Contudo, já há algum tempo que confeccionamos o pudim de Abade de Priscos que é o melhor pudim do mundo.  É um pudim que não tem leite e é o único que leva toucinho”, descreveu Fernando Torres.

A homenagem incluiu uma visita ao cemitério de Turiz, onde o Abade de Priscos está sepultado. “Estou muito orgulhoso com esta homenagem porque o Abade de Priscos fez muito pela cultura e pela gastronomia”, reagiu Nuno Arantes, presidente da Junta de Freguesia de Turiz, que considera que há poucas pessoas que sabem que esta figura histórica é natural da freguesia. “Eu só soube disso quando entrei para a Junta. Temos tentado divulgar ao máximo e tentamos sempre colaborar quando há este tipo de iniciativas. Também temos apoiado a edição de livros infantis que têm sido apresentados nas escolas. Damos exemplares às crianças para que divulguem e informem os próprios pais”, explicou o autarca.

“Temos muito orgulho que esta figura seja vilaverdense. É uma das personagens mais importantes ao nível da gastronomia e tem um receituário fantástico. É uma honra termos eventos que continuem a homenagear e a lembrar a importância que o Abade de Priscos, conhecido como o Papa dos Cozinheiros, tem no contexto concelhio, mas também a nível nacional”, frisou Júlia Rodrigues Fernandes, presidente da Câmara Municipal de Vila Verde, que participou na sessão de abertura do colóquio. A iniciativa também destacou, além do Abade de Priscos, o poeta Sá de Miranda, que viveu em Vila Verde, e D. João de Aboim, trovador do século XI natural de Aboim da Nóbrega. “Esta iniciativa pretende reavivar, recordar e  homenagear figuras que estão ligadas a este concelho. Pretendemos dar a conhecer o D. João de Aboim e queremos reeditar algumas pastorelas que lhe são atribuídas”, afiançou a edil vilaverdense, reiterando que  “Vila Verde é uma terra de grandes escritores”.

“Sá de Miranda e o Abade de Priscos merecem ser mais divulgados. Quando nós temos um Camilo, um Eça ou um Júlio Dinis, quase nos esquecemos de Sá de Miranda e do Abade de Priscos. Além disso, esta região também precisa de mais dinamização cultural”, defendeu Paulo Sá Machado, um dos organizadores do evento e um dos oradores do colóquio, frisando que o Abade de Priscos foi um promotor dos produtos endógenos na sua época. “Por isso, Vila Verde merece ter uma academia enogastronómica dedicada ao Abade de Priscos. Seria uma oportunidade única para continuar a estudar a sua obra”, propôs Paulo Machado durante a mini palestra “Gastronomia e Literatura”, inserida no colóquio “Vila Verde com Letras e… Sabores”.

“O desenvolvimento regional tem que ser muito ancorado na cultura. O Norte é a região mais industrial e mais exportadora do país. Só será possível projetar essa vertente se o território for culturalmente rico.  Só assim é que será inovador e criativo”, defendeu António Cunha, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte.