Valença balançou ao ritmo da cultura de fronteira

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A antiga alfândega de Valença foi palco para a celebração dos 30 anos da Associação Cultural e Pedagógica Ponte nas Ondas (PNO). A comemoração da efeméride reuniu várias escolas portuguesas e espanholas e contou com nove emissões no site do Ponte nas Ondas e em várias rádios locais. A Radio Nacional de Espanha realizou a emissão em direto da antiga alfândega.
Neste encontro, o Agrupamento de Escolas Muralhas do Minho, de Valença, deu a conhecer as histórias de duas mulheres: Diana Gonçalves, cineasta de origens portuguesas e espanholas, e Olívia Vilas, natural de Moçambique. Partilharam o palco com três alunas do 12º ano, Ísis Páris, Marisa Ponce e Lara Barreiro, que revelaram que a conversa foi “inspiradora” e que foi graças ao Ponte nas Ondas que conheceram o “percurso e a história destas duas mulheres e o quanto elas deram de si para conseguir alcançar aquilo que queriam”.
Diana Gonçalves destacou a importância desta associação, não apenas nas escolas, mas também como união dos “diferentes agentes culturais que trabalham neste território”. Aplaudiu este tipo de encontros, notando que são uma “possibilidade de levar a experiência aos alunos”, para que estes tenham referências sobre a “realidade cultural que existe nesta fronteira e sobre o que significa fazer cultura” nesta região. A cineasta é conhecida pelo seu projeto Mulheres da Raia, o primeiro filme que retratou esta fronteira numa perspetiva feminina. “Coloquei o foco nestas mulheres que iam e vinham, e que tinham um papel muito específico na rede comercial. Trabalhei sempre em torno da fronteira, das relações entre a Galiza e Portugal, as relações do dia a dia de cada povo”, explicou Diana.
Olívia Vilas, natural de Moçambique, partilhou o seu percurso, que começou em Portugal há cerca de três anos. Veio com o objetivo de estudar e esteve em Aveiro, sendo que, após “andar a conhecer”, deparou-se com Valença, cidade que garantiu ser a “paz” que procurava. Devido a situações familiares, foi obrigada a parar os estudos e a trazer os filhos para Portugal, assumindo o papel de “mãe e pai”. Participou neste aniversário através de uma professora da escola que “sempre esteve curiosa pelo percurso”. Olivia Vim não duvida da importância deste tipo de eventos para a aproximação da comunidade. A escola de Valença apresentou, também, as histórias do trapiche através de uma conversa com Augusta Santana, figura já célebre em Valença.
No seguimento das histórias femininas, o Agrupamento de Escolas de Santa Maria Maior, de Viana do Castelo, foi a Valença contar as histórias das mulheres da Ribeira de Viana. Convidados pela escola de Valença, os alunos dos cursos profissionais de audiovisuais e turismo falaram sobre a força da mulher da ribeira, o seu trabalho, os seus trajes específicos para cada atividade e as suas características. Thais Machado, aluna brasileira, contou que, apesar de não ser portuguesa, morou muitos anos na zona da ribeira de Viana do Castelo, por isso sabe que a mulher vianense é “trabalhadora e bem disposta”. “Elas trabalhavam na pesca, ajudavam os maridos e faziam os seus trajes”, acrescentou a aluna Lara Gonçalves. As alunas confessaram sentir que existe pouca valorização destes costumes e destas histórias e explicaram que estes devem ser valorizados, elogiando o trabalho realizado pela associação Ponte nas Ondas.

“Faziam bailaricos e falavam dos namorados”

Melgaço viajou ao passado e celebrou os costumes de Castro de Laboreiro, com várias entrevistas a melgacenses. Foi o caso de Dulcelina Fernandes que, por convite da neta, aluna da escola, participou para dar a conhecer e divulgar as tradições tão peculiares desta freguesia. Dulcelina “tentou” falar castrejo e contou que as raparigas solteiras de Castro Laboreiro “trabalhavam na lavoura e andavam nos montes”, mas também “faziam bailaricos, contavam contos, falavam dos namorados e penteavam-se com cabelos compridos entrançados”. Apesar da diminuição da população, Dulcelina frisou que Castro Laboreiro era uma freguesia “viva, ativa e com muitos habitantes”, e destacou a necessidade de divulgar estes costumes que se podem perder. “A freguesia tem usos muito próprios e é enriquecedor para todos aprender e descobrir mais”, confessou a entrevistada, que desejou que mais projetos se alargassem a locais como Castro Laboreiro, “que têm histórias para contar”.
A representação deste concelho continuou na voz de Aires, de 84 anos, um serralheiro de Melgaço. “Aprendi novo. Com 15 anos, montei uma oficina depois de casar e tenho todas as ferramentas”, expressou. Sendo esta uma profissão em vias de extinção no concelho, o serralheiro explicou que as pessoas “preferem comprar novo, do que arranjar” e, por isso, não tem muitos clientes, mas contou que faz uns “biscates” aos amigos e que isso é suficiente. “Achei este encontro muito bom para os alunos saberem o que se faz e o que se fez”, concluiu.
O contributo da escola de Melgaço contou com mais uma entrevista ao presidente do grupo etnográfico do Rancho da Casa do Povo do Concelho e, para fechar, uma atuação de um aluno, Maxim Moreira, que tocou concertina. De 15 anos, começou a tocar concertina há dois anos para agradar o avô. O aluno confessou que vê “pouca gente nova a tocar”, mas acredita que participar nestas iniciativas “pode influenciar outros jovens a aprender concertina”.
Maria Alves e Alda Barreiros foram duas das protagonistas do contributo da escola de Monção que, convidadas pelos alunos do oitavo ano, responderam a várias perguntas acerca de Riba de Mouro. As entrevistadas são autoras do livro “Os lá de Riba”, que reúne histórias de vida, receitas, tradições, profissões e, acima de tudo, o “linguajar” de Riba de Mouro. “Não se pode falar de Riba de Mouro sem falar da linguagem própria que ainda se utiliza”, realçaram após terem dito várias frases neste dialeto, surpreendendo os alunos. Contudo, Maria e Alda destacaram o interesse e empenho que sentiram por parte dos alunos, em relação a esta freguesia e a este livro.
Ricardo Gonçalves, um dos alunos participantes na entrevista, elogiou toda a experiência. “É bom toda a gente conhecer de onde vem e é importante preservar os saberes e culturas, que é precisamente o trabalho da associação Ponte nas Ondas”, sustentou o aluno de 13 anos.
Os alunos do 5º e 6º ano da escola de Monção demonstraram alguns dos pregões que ecoavam na vila e contaram a lenda da Dona Mariana de Lencastre, através de uma entrevista protagonizada pelos alunos.
Já os estudantes do 6º ano de Caminha contribuíram para este certame cultural com uma cantata a António Variações que, em tom de homenagem, interpretaram poemas como “Guerra Nuclear”.

“Ora viva a pândega”

Esta partilha de tradições do norte de Portugal e da Galiza não se restringiu ao distrito de Viana do Castelo e a escola de Penafiel Sudeste recebeu o convite para participar nesta jornada. As alunas de 14 anos apresentaram e entrevistaram um artesão de Alcochete, há 11 anos em Penafiel, que se dedica à construção de peças religiosas em madeira.
Do outro lado da fronteira, os alunos da IES Pérez Tizon atravessaram o rio para apresentar os ofícios tradicionais galegos e para entrevistar Pancho Álvarez, músico de Pontevedra que contou o seu percurso na música e com os instrumentos de cordas, nomeadamente o violino. Esta demonstração terminou com uma atuação por parte do artista.
O aniversário da Ponte nas Ondas traduziu-se numa manhã de cultura, tradições e partilha, com destaque para a animação musical. A abertura da sessão esteve a cargo do coro da Academia de Música da Fortaleza de Valença que interpretou peças do repertório tradicional português, como “Olha as ceifeiras”, “Dom Solidão” e “Senhor do Meio”. Augusto Canário e Bieito Laborinhas, amigos de longa data, subiram ao palco da antiga alfândega, para mostrar os tradicionais cantares ao desafio. “Não podia faltar a esta celebração, porque com este projeto fiz muitos amigos, que são para a vida”, explicou Canário, antes de iniciar a sua atuação, que arrancou com “Ora viva a pândega”, canção que garantiu ser conhecida em ambos os lados do rio. Com elogios a Valença, a Tui e à associação Ponte nas Ondas, os cantares ao desafio aqueceram o palco para os alunos participantes.
O grupo Luar do Minho também esteve presente nesta programação e a Tuna Académica da Escola Superior de Ciências Empresariais (TUNESCE) encerrou esta jornada com vários temas. Destacaram a canção “Verde Vinho” para “representar a região minhota”, justificou o porta-voz.
A diretora do Agrupamento de Escolas Muralhas do Minho enalteceu a importância da dinamização deste projeto na escola. “Durante o ano, eram escolhidos alunos para trabalhar um tema e, posteriormente, tanto os portugueses como os espanhóis, fizeram uma espécie de intercâmbio para partilhar conhecimentos”, explicou Olinda Sousa, acrescentando que a realização de um programa no Dia Mundial da Rádio “deixava os alunos sempre entusiasmados.”
Devido ao desenvolvimento tecnológico existente, estas ações passaram a ser realizadas em streaming, através de transmissões nas escolas e nas várias plataformas online. Esmeralda Carvalho, uma das coordenadoras da “Ponte nas Ondas”, confessou ser necessário celebrar um projeto que dura há 30 anos, desvendando que a “facilidade de adaptação às novas tecnologias” é o segredo de um trabalho “tão duradouro”.  Apesar do nervosismo por estarem em direto e por fazer parte destas emissões, Esmeralda revelou que “tudo isto tem sido encantador para os alunos. “Eles ficam sensibilizados, ao longo dos anos e destas atividades, para um futuro na comunicação, por exemplo”, confessou, destacando a importância do trabalho da Associação Ponte nas Ondas, que integra a lista de boas práticas da UNESCO. “Promove e preserva um património comum entre dois povos que, ligados por uma ponte, partilham muito mais do que um rio. Há uma fronteira, mas é imposta pelo homem, porque tanto a nível geográfico como a nível cultural, somos o mesmo povo”, concluiu a coordenadora, frisando que o trabalho da associação integra a lista de boas práticas da UNESCO.
O presidente da Câmara Municipal de Valença, José Manuel Carpinteira, confirmou que “a identidade da região é galaico-portuguesa e deve-se dar a conhecer este património”, aplaudindo e felicitando o trabalho da PNO. Já o alcalde de Tui notou que o edifício que outrora cumpria funções de fiscalização e de controlo serve actualmente para falar “do contrário”. “Fala-se de encontro, de cooperação, de difusão da cultura, da identidade e da também da proteção dos valores”, salientou Enrique Cabaleiro.