Vilar de Mouros reforça homenagem de Zeca Afonso a Catarina Eufémia

0
375

O Palco do Casal, em Vilar de Mouros, designado também por Palco Histórico, porque por ali passaram muitas edições do “Woodstock português”, é desde agora também local de mais homenagens. A intervenção artística de Alberto Rodrigues Marques homenageia o Festival de Vilar de Mouros, mas também uma das figuras que havia de marcar a nossa história coletiva e que foi ela própria, naquele palco e de forma “sui generis”, homenageada por Zeca Afonso: Catarina Eufémia, a jovem ceifeira alentejana assassinada pela GNR em 1968 domina o Mural de grandes dimensões, que desde ontem ao fim da tarde está patente e passa a integrar o Palco do Casal.

A obra insere-se no Programa de Intervenções Artísticas e Comunidade “No Minho não há aldeia melhor do que a minha”, promovido pelo consórcio MINHO IN que integra 24 municípios do Minho. Com curadoria de de Helena Mendes Pereira, o artista Alberto Rodrigues Marques trabalhou durante cerca de um mês na produção da obra, depois de uma aturada investigação.

O jovem artista, natural de Braga, define-se a si próprio desta forma: “Desde cedo dançarino e nadador, cada uma das áreas ligadas ao pai e à mãe respetivamente. Estabeleci então grande ligação entre a música, o corpo, o espaço e o meio. Pintar hoje é continuar a fazer o que sempre fiz. Vejo tudo aquilo que faço como pintura, como criação. Sobre mim não haverá muito mais a dizer, sou um rapaz interessado no sonho que o dormir traz, na água que bebo e acima de tudo no movimento do corpo, no movimento dos outros e das coisas. A minha motivação vem pela imaginação e perspetiva de continuar a criar e experimentar as artes plásticas, performativas, nas suas vertentes e tecnologias”.

Alberto Rodrigues Marques contou como fez a pesquisa para a obra, que tem por título “Sessenta e Oito”, andando por Vilar de Mouros, conhecendo locais e gentes, conversando e descobrindo estórias aqui e ali, e estudando a história dos festivais e das pessoas direta ou indiretamente ligadas a cada uma das edições. Podia ter escolhido homenagear um músico, uma banda, um dos criadores do festival, mas optou por tornar mais visível uma homenagem feita quase em surdina naquele mesmo palco, iludindo a censura e a repressão que se abatiam sobre o nosso país.

A placa que acompanha o Mural explica o próprio título da obra “Sessenta e Oito” e conta o seu enquadramento: “A linha temporal que está na base desta proposta é a quarta edição do Festival Vilar de Mouros, fazendo-nos recuar para 3 e 4 de agosto de 1968. O Doutor António Barge tinha pensado numa programação diferente para este ano, acrescentando à música tradicional das regiões do Alto Minho e da Galiza música de intervenção popular. Apontou nomes como Carlos Paredes e Zeca Afonso, bem como Luiz Goes e Adriano Correia de Oliveira. Durante o festival, mais propriamente na noite de 4 de agosto, estavam presentes, na plateia, o Governador Civil de Braga e o General da GNR para além de alguns agentes da PIDE disfarçados.

António Barge sabendo muito bem que a música de intervenção era proibida, colocou a banda filarmónica da GNR, símbolo do Estado Novo, a tocar até à meia-noite, disfarçando os 4 artistas referidos e reservados para o final.

Na última atuação, Zeca Afonso homenageou, em palco, Catarina Eufémia, camponesa, ceifeira alentejana, assassinada a tiro a 19 de maio de 1954, após ter mobilizado outras catorze ceifeiras em torno de uma luta pelo direito a obter mais 4 escudos pelo trabalho realizado na ceifa. No decorrer desta ação de luta, a GNR foi chamada ao local acabando por matar de metralhadora, à queima-roupa, Catarina de apenas 28 anos, com 4 balas nas costas. Este ano assinalam-se, ainda, a 19 de maio de 2022, 68 anos da morte de Catarina Eufémia e tendo esta edição do festival decorrido em 1968, a intervenção assinala a efeméride”.