Enchente nos cantares ao desafio para ouvir “das pantufinhas às mais picantes”
Com saudade, mas com rimas desconcertadas, e desconcertantes, e brejeirice. Foi desta forma que os amigos de Zé Cachadinha actuaram nas Feiras Novas, consideradas a maior montra dos cantadores e cantadeiras ao desafio. O público respondeu da melhor forma e a praça da Expolima ficou completamente lotada.
Dos “ferrinhos” aos estreantes, a praça da Expolima acolheu milhares de pessoas ansiosas pelos desafios que se seguiriam. Carlos Costa e Amélia Costa, um casal de Ponte de Lima, não gosta de perder este momento da festa. “É a música tradicional portuguesa. O nosso favorito é o Ruizinho de Penacova”, contaram, vincando que num bom desafio não podem faltar “umas quadras bem picantes”. “Assim tem mais piada”, sustentaram, garantindo que nos vários dias da romaria não perdem nenhum momento. “Praticamente não saímos daqui”, gracejaram.
Joaquina Baptista, de Guimarães, também já perdeu a conta aos anos que vem assistir aos cantares ao desafio. “Já vinha com o Zé Cachadinha. Os desafios que mais gosto é quando é uma mulher com um homem. Assim tem mais piada e gosto das cantigas mais picantezinhas”, gracejou, acrescentando que aproveita o momento para dar um passeio pela vila limiana. “Gosto muito de vir às Feiras Novas. Não consigo escolher um só momento, gosto de tudo. É uma valente feira, tem muita coisa para a gente ver e tasquinhas de comes e bebes”, enumerou
Pela primeira vez, Helena Silva, de Viana do Castelo, assistiu às actuações dos cantadores e cantadeiras. “Por ser de Viana vivo mais as festas da Senhora d’Agonia. Mas a seguir são as Feiras Novas porque o meu marido é de cá”, contou, confessando “adorar” cantares ao desafio.
“Adoro tudo o que nos liga às tradições. Por exemplo, tenho imensos trajes… vivo muito intensamente as romarias”, contou, acrescentando que no desafio gosta “de umas boas quadras”. “Daquelas que a gente tem que estar atenta para perceber… adoro as de pantufinhas, mas que chegam lá”, gracejou, acrescentando que também as concertinas e as rusgas prendem a sua atenção na romaria.
Maria Isabel Duarte veio com o marido desde Castelo de Paiva para assistir aos cantares ao desafio. “Gosto muito destas festas. Desde que vim a primeira vez nunca mais faltei”, declarou.
O sobrinho mais velho de Zé Cachadinha foi quem organizou este encontro, que decorre sempre na noite da sexta-feira das Feiras Novas. Já costumava ajudar Zé Cachadinha nesta missão, mas agora passou da retaguarda para assumir o seu lugar.
“Não é fácil selecionar, organizar e fazer as duplas para cantar”, confessou António Cachadinha, garantindo que os amigos do tio continuam a responder de forma positiva ao convite.
“Temos bons cantadores. Infelizmente, só não contámos com a Adília de Arouca, que foi hospitalizada”, lamentou.
A praça repleta de público já não surpreende António Cachadinha, que garante que “é sempre assim todos os anos”. “Fico contentíssimo. As Feiras Novas são a montra dos cantadores e posso dizer que muitos cantadores de prestígio se lhes dissesse para vir cantar a Ponte de Lima até viriam de graça, só para se mostrarem aqui”, vincou, garantindo que todos os cantadores que participam nesta iniciativa são contactados ao longo do ano por comissões de festas para contratar actuações.
Para este ano, António Cachadinha tentou fazer um cartaz “um pouco diferente”. “Tenho muito orgulho porque muitos nunca vieram aqui. Mudei um bocadinho o sistema”, vincou, notando que “há muitos jovens a tocar concertina e que gostam de ouvir os cantares ao desafio”.
Para tentar envolver cada vez mais jovens na arte de cantar ao desafio, António Cachadinha defende a necessidade de se criar uma escola em que algumas pessoas possam transmitir esses conhecimentos. “Já lancei o repto ao Município para que cedesse instalações para que eu, que não sou cantador, mas sei cantar e sei improvisar, possa pôr os jovens a aprender porque isto tem técnica”, sustentou, revelando que é seu objectivo que os cantares ao desafio do próximo ano nas Feiras Novas abram com a actuação de quatro jovens “para começarem a perder o medo e a habituarem-se a ver o público”.
Antes das actuações, Gonçalo Rodrigues, presidente da Associação Concelhia das Feiras Novas, notou que os cantares ao desafio são “uma actividade marcante no programa das Feiras Novas”.
“É marcante no dia a dia de muitas romarias, mas nas Feiras Novas, e como se pode comprovar com esta magnífica moldura humana, certamente que têm o destaque que merecem”, realçou, vincando que o cantar ao desafio “é uma arte bem difícil de praticar”. Na sua intervenção, o vereador felicitou todos os participantes e agradeceu a António Cachadinha a organização do encontro.
“Desde a primeira hora, e uma vez que eu sou pela primeira vez presidente da Associação Concelhia das Feiras Novas, que me disse para eu estar descansado que com ele ficaria tudo muito bem organizado. E é verdade”, afirmou.
O juiz Alves Fernandes foi quem deu as boas vindas aos cantadores e cantadeiras, não sem antes destacar o legado de Zé Cachadinha. “Os cantares ao desafio conquistaram um lugar de honra nas Feiras Novas muito devido ao Zé Cachadinha. Nós devemos-lhe esse tributo”, declarou, vincando que o popular cantor era “a figura suis generis que todos conhecem”. “Com bom humor, sempre bem disposto, a voz rouca que ele tinha, aquele bigode afilado, ar matreiro, mas sempre respeitador. Às vezes dizia umas brejeirices, mas tudo lhe desculpavamos. Temos mais cantadores em Ponte de Lima e Zé Cachadinha representa-os a todos e hoje está orgulhoso que tenham prosseguido esta tradição”, salientou.
Maria Celeste, cantadeira de Ponte da Barca, esteve neste encontro, tendo muitas vezes acompanhado Zé Cachadinha. “É com muito orgulho que subo a este palco. Gosto muito de Ponte de Lima, de cantar à desgarrada com o terreiro repleto e isso dá-me gosto”, contou, não escondendo, contudo, a tristeza que o falecimento de Zé Cachadinha provocou. “Cantava muito com ele e parece que a cada dia que passa mais saudades tenho”, declarou, realçando que a melhor forma de lembrar o amigo é a cantar ao desafio. “E neste palco em Ponte de Lima já vivi grandes noites de cantares, já me diverti bastante”, afirmou, destacando a importância da presença do publico.
“Dá-nos muito prazer, alegria e força para cantar. E o povo precisa disto”, salientou, admitindo que este palco nas Feiras Novas “é muito especial”. “Quase todos gostariam de estar aqui. É um sítio que junta muita gente de todo o lado e somos muito bem acolhidos. É sempre um prazer”, comentou, revelando que, para além de participar nos cantares ao desafio também gosta de outros momentos da romaria. “Gosto muito do cortejo… gosto de tudo. Eu gosto muito das Feiras Novas. A minha profissão é andar nas festas, mas para vir para aqui nunca estou cansada”, gracejou.
SUPLEMENTO ESPECIAL DO SEMANÁRIO ALTO MINHO Nº 1603 – 14 de SETEMBRO DE 2022