“Força Iúri! Santa Marta está contigo!”

0
853

Há um ano, Iúri Leitão estava a desfrutar do título de campeão do mundo de omnium, enquanto aproveitava uns dias de folga para participar na Romaria de Santa Marta de Portuzelo, onde também desfilou, trajado a rigor, ao lado da sua namorada Carolina. Esta quinta-feira, vai para a pista olímpica de Paris atrás de um sonho que o pode inscrever na história nacional do ciclismo. Em Santa Marta de Portuzelo, de onde é natural, é claro o apoio ao menino da terra que aprendeu a andar de bicicleta tão novo que não se lembra. A partir das 17h, o intrépido ciclista começa a disputar as quatro provas do omnium.

17:00 (16:00) Iúri Leitão Ciclismo pista (omnium – scratch)

17:38 (16:38) Iúri Leitão Ciclismo pista (omnium – corrida por tempo)

18:25 (17:25) Iúri Leitão Ciclismo pista (omnium – eliminação)

19:27 (18:27) Iúri Leitão Ciclismo pista (omnium – corrida por pontos)

 

 

Na edição especial do Semanário Alto Minho dedicada à Romaria d’Agonia, em 2023, acompanhamos Iúri Leitão no cortejo da Romaria de Santa Marta e colhemos as reações à sua conquista do título de campeão do mundo. Sempre tive dois grandes sonhos na minha vida, depois de ter entrado para a seleção de pista: ser campeão do mundo e ir aos Jogos Olímpicos. Um já está e o outro está a caminho”, disse Iúri Leitão no suplemento especial do Semanário Alto Minho, publicado a 16 de agosto 2023, que reproduzimos:

 

Iúri Leitão aprendeu a andar de bicicleta tão novo que não se lembra. Aos 25 anos, concretizou um dos seus sonhos, ao sagrar-se campeão do mundo da disciplina olímpica de omnium. Natural de Santa Marta de Portuzelo, Iúri demonstrou que também é um campeão fora da pista, ao apoiar e desfilar ao lado da namorada Carolina, que estes dias vibra com a romaria da sua terra e da Agonia. Para o futuro, o jovem ciclista, que adora a alegria que paira em Viana durante a Romaria, já só pensa em pedalar para uma medalha olímpica, em Paris2024.

Depois de regressar da Escócia, onde conquistou um dos maiores feitos internacionais de Portugal no ciclismo de pista, Iúri passou apenas três dias em Viana do Castelo e fez questão de abraçar as tradições que a sua namorada tanto gosta. Foi apoiá-la na apresentação dos cumprimentos da mordomia de Santa Marta de Portuzelo à cidade e desfilou, pela primeira vez, ao seu lado no cortejo etnográfico da festa da sua terra, que se realizou no dia seguinte.

“Eu sempre fui muito apegado à terra, passo muito tempo fora de casa, por força do trabalho, e o que mais anseio é regressar”, assumiu. Um dos motivos para Iúri gostar de regressar a casa também é a possibilidade de treinar nas estradas que ele tão bem conhece. “Gosto muito de ir para a zona da Montaria e Serra d’Arga”, partilhou, destacando as condições “ímpares” que Viana do Castelo dispõe para a prática desportiva.

O jovem ciclista profissional começou a pedalar por influência do seu pai, Carlos Leitão. “Ele também tem essa paixão pelo ciclismo e acabou por correr na Tensai Santa Marta, onde fez alguns amigos. Um deles, o Vítor Pedreira, estava à frente da escola de ciclismo e foi buscar-me a casa. Foi a partir daí que tudo começou e eu comecei a apaixonar-me pelo ciclismo”, contou Iúri, que entrou com seis anos para a Tensai Santa Marta, onde se manteve até aos 16. “Dessa altura, ficam muitas lembranças da infância, da emoção de acordar cedo para ir para as corridas, cheio de vontade, muito entusiasmado. A minha primeira medalha foi numa corrida em Porriño, tinha sete ou oito anos, tenho-a guardada”, confidenciou.

 

“Muito trabalho e dedicação, muitas horas em cima da bicicleta, muito descanso e uma alimentação correcta”

Depois da Tensai, Iúri passou pela equipa do Mortágua, em sub-23, antes de assinar pela Sicasal de Torres Vedras, onde esteve dois anos. No segundo ano, surgiu a seleção nacional. “O primeiro ano foi de muita competição e evolução, no segundo ano surgiu a pandemia, foi difícil, fiquei sem equipa e agarrei-me à seleção, que apoiou-me muito”, reconheceu. Apesar das dificuldades, Iúri foi campeão da Europa de scratch, em 2020, e no ano seguinte, foi vice-campeão do mundo. No mesmo ano, assinou novamente pelo Mortágua, que já tinha uma equipa profissional, e, em 2022, passou a competir com as cores da Caja Rural, onde ainda permanece. E 2023 é o ano em que Iúri conquistou o título mais importante da sua carreira, até agora. “Sempre tive dois grandes sonhos na minha vida, depois de ter entrado para a seleção de pista: ser campeão do mundo e ir aos Jogos Olímpicos. Um já está e o outro está a caminho”, antecipou.

Em Glasgow, Iúri assume que entrou na pista “com boas sensações”. Sentia que o seu corpo estava capaz de conquistar o título. “Eu não estava com a sensação de que ia vencer, mas sentia-me bem, sentia que o corpo estava a corresponder bem, estava com tranquilidade e frieza suficientes para conseguir não me precipitar e tomar decisões arriscadas. Tive a cabeça fria para gastar energia suficiente e quando senti que os adversários estavam a começar a fraquejar, tive as pernas suficientes para dar a cartada final”, descreveu o ciclista, que, desde o início da época, tem o objectivo de fazer o maior número de pontos possível para encaminhar a seleção para a qualificação olímpica. “Tínhamos alinhado as coisas para que o calendário não fosse prejudicado pela pista e deram-me essa liberdade para eu estar o melhor possível na pista. Fiz uma preparação no início da época para corresponder às expectativas da equipa e dar resultados de relevo até junho. Tive uma paragem no inicio de julho e depois fiz uma preparação completamente focada neste campeonato do mundo. As sensações eram boas, fui melhorando ao longo das semanas de estágio e quando cheguei ao campeonato do mundo sabia que estava em boa condição e podia fazer um bom resultado”, partilhou. A preparação de um campeonato do mundo, acrescentou, “requer muito trabalho, muita dedicação, muitas horas em cima da bicicleta, muito descanso e uma alimentação correcta”.

Ser campeão do mundo de omnium significa que Iúri foi o mais rápido em quatro corridas na pista. “Omnium reúne quatro corridas, que existem individualmente, e, basicamente, o ciclista que for mais consistente e consiga fazer mais pontos ao longo do dia consegue vencer. Temos que ser muito resistentes e gerir a energia, ser inteligentes para explorar o desempenho dos adversários, conseguir o maior número de pontos com o menor esforço e chegar ao final do dia e conseguir defender a nossa posição”, explicou.

“Agora só te venho esperar outra vez quando vieres dos Jogos Olímpicos de Paris”

Vítor Pedreira, o primeiro treinador de Iúri, assistiu ao cortejo etnográfico de Santa Marta e fez questão de ir dar um abraço ao seu pupilo. “Ele sempre foi obstinado, teimoso por natureza. Sempre demonstrou jeito e gosto pelo ciclismo, focado em melhorar”, afirmou o técnico, admitindo que o título de campeão do mundo “não foi uma surpresa”. “E acredito que a medalha olímpica é um sonho possível”, acrescentou o treinador, que acompanhou Iúri dos seis aos 14 anos na Tensai. “E desde então, sou o fã número um”, assegurou, também orgulhoso por ver Iúri com traje de folclore, a viver as tradições de Santa Marta. “Ele não nega as suas origens e faz questão de lembrar de onde veio, deixando os santamartenses e minhotos muito orgulhosos. Ele sente a terra e não se esquece dela”, elogiou.

Albino Antunes, histórico dirigente ligado à fundação da Tensai Santa Marta, também viu o desfile e ficou orgulhoso com a prestação de Iúri, tanto trajado como em cima da bicicleta na pista escocesa. “Ele quando chegou à Tensai era um miúdo humilde, mas turbulento. Era bravo (…) e ganhava tudo”, contou. “Eu já dizia naquela altura que seria campeão, se tivesse juízo”, acrescentou, convicto de que “não há cinco ciclistas em Portugal da mesma série que sejam como ele”. “Ele em estrada também é bom, mas não pode haver grandes tropeços. É um sprinter top”, assegurou o antigo dirigente, com 46 anos de experiência no mundo do ciclismo. Albino Antunes foi receber Iúri ao aeroporto, quando chegou da Escócia, e deixou-lhe uma mensagem clara: “Agora só te venho esperar outra vez quando vieres dos Jogos Olímpicos de Paris.”

 

“Quero voltar a fazer a Volta a Portugal”

Com a medalha de campeão do mundo guardada, Iúri já regressou à estrada e vai cumprir o resto do calendário da sua equipa. “Tenho mais quatro competições até ao final do ano. A partir daí, o foco vai ser a qualificação olímpica. Ainda não está completamente assegurada e temos de estar em bom destaque nos campeonatos da Europa e taças do mundo do próximo ano”, realçou.

Para o futuro, Iúri também gostaria de voltar a competir na prova rainha do ciclismo português e admite que tem muita pena em não participar na edição deste ano da Volta a Portugal. “A minha equipa queria que eu estivesse na Volta a Portugal, especialmente por terminar em Viana, mas o campeonato do mundo impediu-me”, justificou o jovem, que tem acompanhado a prova. “Quero voltar a fazer a Volta a Portugal. Gostava muito de voltar a participar e, especialmente, na edição deste ano que tem mais oportunidades para ciclistas mais rápidos como eu, não é uma Volta tão montanhosa como noutros anos”, acrescentou o ciclista, que competiu na Volta, há dois anos.

Iúri ofereceu o traje à namorada

Nos três dias em que esteve em Viana do Castelo e Santa Marta de Portuzelo, Iúri Leitão fez questão de apoiar a namorada Carolina nos vários eventos da romaria de Santa Marta. Ambos de Santa Marta de Portuzelo, Iúri e Carolina namoram há quatro anos e meio. Carolina é a melhor amiga da prima Iúri e foi no aniversário desta que começou a paixão. “Sempre admirei folclore, mas nunca tive nenhuma ligação. Mas, por causa da Carolina, passei a gostar mais”, assumiu Iúri, no Passeio das Mordomas da Romaria, onde se perfilaram as dezenas de mulheres trajadas a anunciar a festa de Santa Marta.

Com a viagem marcada para o domingo seguinte, Iúri não pode participar na Romaria d’Agonia. “Tenho pena que a Romaria d’Agonia seja uma altura tão fundamental da minha época desportiva. Nunca posso desfrutar da romaria como gostaria. Gosto da festa, da alegria, das pessoas, da movimentação que causa na cidade, que se transforma, fica iluminada, bonita, as pessoas vivem muito a festa e eu gosto disso”, confidenciou.

O ciclista não pôde ficar para a Agonia, mas desfrutou da romaria da sua terra. Carolina e Iúri já tinham desfilado juntos na Romaria d’Agonia, com o grupo folclórico de Santa Marta, na Avenida dos Combatentes, mas, em Santa Marta, foi a primeira vez. O desfile no cortejo de Santa Marta já estava “pré-combinado”, esclareceu a namorada.

Devidamente trajado, Iúri desfilou ao lado de Carolina e foi ovacionado por várias pessoas ao longo do cortejo etnográfico. Entre palmas e vivas, o público pediu ao casal para dar beijinhos e eles acederam, sempre sorridentes. Ao passar pela Casa do Povo de Santa Marta, Iúri olhou para o cartaz que o parabenizava pelo título de campeão mundial e rejubilou de alegria.

Durante o cortejo, quem olhasse para Carolina e Iúri podia pensar que o jovem casal representa a “alma” de Santa Marta, ao conjugar as paixões pelo folclore e pelo ciclismo. “O folclore sempre foi importante em Santa Marta e o ciclismo há-de ser cada vez mais”, desejou Iúri.

Prestes a fazer 26 anos, Carolina anda na escola de folclore de Santa Marta de Portuzelo, há mais de 12. Paralelamente, estuda Finanças no IPCA, em Barcelos, e trabalha na contabilidade de uma pastelaria em Viana do Castelo. “A paixão pelo folclore começou na família. Os meus primos fazem parte da escola e eu também quis pertencer”, contou a jovem mordoma, trajada de vermelho. “Foi o Iúri quem me deu o traje, no ano passado. Foi uma prenda de anos”, acrescentou, orgulhosa. “Dei-lhe essa prenda porque sei que é algo que ela gosta muito e também sei que é um pertence que fica para a vida toda e para a família no futuro”, justificou Iúri. O ouro que Carolina levou ao peito também já é um projecto a dois. “O ouro vamos comprando, é nosso. Estamos a começar aos pouquinhos, os brincos foram a primeira peça que comprámos”, partilhou Carolina, visivelmente “chieirenta” enquanto desfilou com o seu namorado. E desfilar com o Iúri, na terra de ambos, depois de ele ter sido campeão do mundo “é uma chieira ainda maior”. Apesar disso, Iúri ainda não sabe dançar o Vira e Carolina sabe “pouco” andar de bicicleta.

“Viva o nosso campeão!”

A Tasca do Necas é paragem obrigatória antes do início do cortejo de Santa Marta. O proprietário Noé Vieira, que todos conhecem como Necas, é tio e padrinho de Carolina e fã de Iúri.

“Ele tem todo o mérito por ter chegado onde chegou, mereceu o título de campeão do mundo”, reconheceu Necas, de 63 anos. “Ele é um lutador, vejo-o muitas vezes a treinar e passa aqui para buscar garrafas de água. É preciso muita coragem e força de vontade para não desistir”, enalteceu.

Sentada fora da Tasca do Necas, Augusta Pedreira gritou “Viva o nosso campeão!” várias vezes, no início do cortejo. Mãe do primeiro treinador de Iúri, Augusta, de 75 anos, disse que o ciclista está no seu coração porque o conhece desde menino. “É um campeão do mundo em cima da bicicleta e fora dela, tem um coração muito grande”, assegurou, embevecida por vê-lo trajado a desfilar.