Vianense Gaspar Mendes Rego é um dos investigadores de Física mais citado a nível mundial

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A completar 30 anos de “casa” no Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC), Gaspar Rego é o professor mais antigo da instituição, no topo da carreira. Professor coordenador principal do IPVC desde 2016, Gaspar Rego está no top 1% dos investigadores no domínio científico de optoelectrónica e fotónica, tem 76 artigos indexados ao banco de dados Scopus e um dos seus artigos é o mais citado a nível mundial na área do doutoramento com 313 citações. O investigador de 55 anos, que começou a ficar fascinado pela Física na adolescência, nasceu na Amadora, mas é a partir de Barroselas que tem feito a sua vida dedicada a estudar e a ensinar várias áreas da Física como mecânica, termodinâmica, fluidos, transferência de calor, eletromagnetismo e análise de circuitos, ótica e fibras óticas.

Gaspar Rego nasceu na Damaia, na Avenida Padre Himalaia, e com três anos veio morar para Barroselas, vila de onde o seu pai era natural. O seu percurso escolar passou pelas escolas primárias de Barroselas e da Damaia (por razões familiares fez a 4º classe na escola básica Padre Himalaia tendo, muito provavelmente, partilhado o recreio com “O Maestro” Rui Costa, Presidente do Glorioso), na Frei Bartolomeu dos Mártires, no Colégio do Minho e na Secundária de Monserrate, onde o gosto pela Física surgiu, por influência do professor Hermenegildo. Paralelamente à escola, também foi jogando futebol, no Neves FC. “Joguei futebol durante cinco anos, dos iniciados até aos juniores”, recordou o antigo ponta de lança, que foi treinado por Fausto. “O futebol foi muito importante para muita malta da minha idade, que se teria “perdido” se não fosse esse desporto. Eu adorava futebol, mas cedo o “Ti Fausto” percebeu que eu via mal e, como tinha de usar óculos, o meu desempenho era fortemente condicionado. Acho que se perdeu um excelente ponta-de-lança. No primeiro treino, marquei cinco golos como avançado, mas depois fui recuando e acabei como defesa direito”, relata, bem-disposto, o antigo jogador, que chegou a partilhar balneário com Cândido Rego.

Com a entrada na Universidade do Porto, o futebol foi ficando “fora de jogo” e começou a “entrar em campo” a vontade de se tornar investigador. “Quando fui para a universidade não tinha nada bem definido sobre o que queria ser, o ensino podia ser uma via, mas também gostava muito da investigação. Já ir trabalhar para uma empresa nunca me cativou. Na altura, fui para o ramo científico e não educacional”, confirmou.

Depois de se ter licenciado em Física-Optoelectrónica pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Gaspar Rego foi para Inglaterra tirar o mestrado em Física das Comunicações Laser, na Universidade de Essex. Depois do mestrado, o seu percurso académico parecia estar bem encaminhado na investigação no INESC TEC – Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência. Porém, Gaspar Rego admite que cometeu “um erro crasso” quando decidiu apresentar o seu mestrado, sem estar preparado. “Um colega meu ia fazer a sua apresentação do ponto de situação do doutoramento, mas achou que não estava em condições de o fazer. Na véspera, eu disse que ia na vez dele fazer a apresentação do meu mestrado, mas não tinha nada preparado e correu muito mal. Isso condicionou a minha evolução nessa fase inicial, ao ponto de ter saído do INESC TEC e ir para outra unidade de investigação que estava a começar. Nessa altura, prometeram um estágio, com uma bolsa Comett, no Instituto de Optica em Madrid e, posteriormente, ir para a Marconi. No entanto, liguei para a Marconi e não havia nada acordado”, relatou o investigador que passou, então, a dar aulas de Física, do 9º ao 11º ano, na Escola de Monte da Ola. Por essa altura frequentou um curso em Viana, organizado pela Nato e pela Sociedade Europeia de Ótica, onde conheceu o reputado investigador Raman Kashyap da British Telecom (nº 80 do Ranking dos investigadores mais influentes em Optoelectrónica e Fotónica). Tinha tudo acertado para fazer um estágio com uma bolsa Comett, chegou mesmo a visitar as instalações em Ipswich, quando ganhou um concurso do ISEP – Instituto Superior de Engenharia do Porto, que acabou por ser cancelado, e concorreu ao Instituto Politécnico de Viana do Castelo. “Mas como demoraram imenso tempo a responder, fui dar aulas para Arcos de Valdevez. Ia no domingo à noite para Aveiro, com aquele que viria a ser o meu sogro, fazer investigação na Universidade de Aveiro, depois regressava de comboio e dava as aulas de físico-química, de terça a sexta, na Escola Secundária de Arcos de Valdevez”, recordou, feliz por já ter reencontrado alguns desses alunos a dar aulas no ensino superior.

Casado e com dois filhos, Gaspar acabou o doutoramento sobre sensores de fibra ótica em 2006 e publicou 60 artigos científicos e mais uma patente. Desses 60 artigos, mais de 30 estão indexados à Scopus. “A fibra ótica é pouco mais espessa do que um fio de cabelo e toda a informação nem é nesse fio de cabelo que passa, é na zona central, no núcleo, que tem apenas 10 micrómetros, o micrómetro é a milésima parte do milímetro. Quando estamos na internet a ver um filme é nesse espaço que passa toda a informação”, explicitou o investigador, frisando que os sensores de fibra ótica têm muitas potencialidades, nomeadamente na monitorização de estruturas. “A queda da ponte de Entre-os-Rios, em 2001, podia ter sido evitada se estivesse a ser monitorizada com sensores de fibra ótica. Por exemplo, o túnel do Rossio, em Lisboa, tem quase um milhar de sensores”, exemplificou.

 

Ponto de viragem com os “doutoramentos à pressão”

Gaspar Rego entrou para o IPVC há 30 anos, como professor assistente de primeiro triénio. Paulatinamente, foi progredindo até chegar a professor coordenador principal, que é o equivalente a professor catedrático nas universidades.

Em 2009, Gaspar Rego integrou o Conselho Geral do IPVC, num momento que considerou ser um “ponto de viragem”. “Foi no Conselho Geral que ouvi dizer que o CCISP (Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos) estava a abordar as Universidades no sentido de flexibilizarem a obtenção do título de agregado por parte dos professores do ensino politécnico e fiquei apreensivo com esta revelação. As provas de agregação são uma condição necessária para se aceder ao topo da carreira, caracterizam-se por um grau de exigência elevado e, tanto quanto conhecia, só os professores com um “currículo invejável” é que se submetem a tal. Sendo eu um crítico pelo facto de a instituição estar a mandar toda a gente fazer um “doutoramento à pressão”, temi que pretendessem igual desvalorização da agregação. Note-se que normalmente um doutoramento requeria cerca de 4 anos de trabalho intenso e o que estava a ser proposto era um doutoramento de 3 anos em que o primeiro era letivo, com muitos colegas sem a mínima experiência do que era fazer investigação. Se numa primeira fase a agência de avaliação e acreditação do ensino superior aceitou simplesmente o canudo, mais tarde passou a exigir que os doutorados realizassem investigação e que tivessem artigos publicados nas áreas fundamentais dos cursos. Naturalmente, que quem não publicou um único artigo durante o doutoramento, nem nos 5 anos subsequentes, não pode ser considerado para a acreditação dos cursos nem tão pouco para o reconhecimento de uma unidade de investigação por parte da FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia). Assim, retomando a narrativa, procurei saber junto de professores catedráticos quais as condições para poder vir a realizar as provas de agregação na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Foi-me dito claramente que a exigência difere de instituição para instituição e que eu deveria saber que no Porto não seria fácil… Contudo, era lá que eu as pretendia fazer para poder “fechar o ciclo”. As provas foram difíceis, mas valeu a pena, porque no final um dos professores da minha licenciatura veio ter comigo e deu-me um abraço visivelmente emocionado. No fundo, era o reconhecimento, volvidos 20 anos, de que a imagem que tinha dos alunos apenas em função das notas era muito enganadora quanto ao seu valor ou ao seu percurso futuro”, contou.

Entre 2016 e 2020, Gaspar Rego foi presidente do Conselho Técnico-científico do IPVC e, em 2021, voltou à investigação de sensores de fibra ótica para temperaturas criogénicas, o que se tem revelado uma tarefa hercúlea de obtenção dos valores exatos de parâmetros físicos fundamentais das fibras óticas. “Percebi que havia uma proliferação de valores errados neste domínio, publicados em revistas de referência, os quais condicionaram as simulações computacionais que apresentamos no artigo de 2022. Por isso, tomei a decisão de determinar os valores exatos dos chamados coeficientes termo-óticos dos materiais que constituem uma fibra ótica e que impactam a sensibilidade térmica dos sensores, tendo publicado um artigo em 2023, outro em 2024 e espero publicar ainda um outro em 2025. São artigos que demoram um ano a escrever, ninguém quer fazer isto, é um teste tremendo à resiliência pelo que é preciso uma certa dose de loucura. Isto significa estudar centenas de artigos alguns com 50 ou 60 anos, compilar dados obtidos por diversas técnicas, correlacioná-los, desenvolver novas teorias e equações e esperar pelo momento Eureka!, isto é, que no fim bata tudo certo, validando dessa forma o procedimento, o que felizmente tem sido o caso”, explicou o docente que faz parte da comissão organizadora da conferência sobre sensores de fibra ótica que vai decorrer em maio de 2025, no Porto. “É a conferência mais importante desta área, onde vai estar a nata dos investigadores”, destacou Gaspar Rego, que também tem estado a coordenar um projeto de desenvolvimento de sensores de fibra ótica com a empresa HBK Fibersensing, a Universidade de Valência e o Instituto de Telecomunicações de Aveiro. “Estamos a fabricar sensores e a caraterizá-los termicamente, dando seguimento aos artigos que publiquei. A ideia é submeter pelo menos dois artigos para a conferência do Porto, que não é uma conferência qualquer. É mais difícil publicar os artigos nesta conferência do que numa revista de topo”, frisou.

Depois de já ter ocupado vários cargos no IPVC, Gaspar Rego assume preocupação com o futuro da investigação científica, alegando que já prolifera muito lixo científico nas supostas revistas da especialidade, e teme que o IPVC não consiga “agarrar” alunos. “Tem de haver uma mais-valia para cativar os alunos a vir para Viana e isso requer trabalho e divulgação. Se não estiverem atentos a esta situação, não sei o que será do Politécnico de Viana daqui a 20 anos”, alerta o docente, que admite ser difícil manter uma relação estreita com os discentes em turmas com cerca de 100 alunos. “No segundo ano, nas turmas já com menor número de alunos, abre espaço a conversas: gosto de saber das suas experiências profissionais e o que pensam sobre determinados temas, como as alterações climáticas, que hoje estão na ordem do dia, mas quando comecei a abordá-los, há 14 anos, não estavam”, contou, garantindo que procura encorajar os alunos a irem atrás dos seus sonhos. “Digo-lhes que quando tinha a idade deles, eu não era muito diferente. Por isso, se trabalharem e acreditarem neles próprios também vão conseguir alcançar o que pretendem. Na linha da mensagem do Séneca: Não é porque as coisas nos parecem inacessíveis que não tentamos, mas é por não tentarmos que elas nos parecem inacessíveis”, concluiu o docente, que vai passar a ser colaborador do Semanário Alto Minho com artigos de opinião sobre ciência, investigação, ensino superior e a academia IPVC, entre outros temas.