Fundo Ambiental: IA versus “II”

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Gaspar Mendes Rego # Opinião # Coordenador Principal do IPVC

Decorridos seis meses após o início do processo de avaliação das candidaturas ao programa PAE+S 2023 do Fundo Ambiental, constata-se que apenas cerca de 40% das mais de 78000 candidaturas submetidas foram analisadas e dessas, cerca de 1/3 foram anuladas ou consideradas não elegíveis. O número elevado de candidaturas conduziu, numa fase inicial, à contratação de “peritos”/avaliadores de quatro instituições de ensino superior e mais recentemente foi noticiado que se iria recorrer à Inteligência Artificial (IA) para se acelerar o processo de análise das mesmas. Contudo, se o atraso é considerável esse não é o maior problema de todo este processo e à medida que decorre a análise das candidaturas vai aumentando o número de reclamações junto das várias entidades, a saber: Fundo Ambiental, Portal da Queixa/DECO, Provedoria de Justiça e Ministério do Ambiente e Energia.

É manifestamente incompreensível que um terço das candidaturas sejam rejeitadas meramente por questões burocráticas quando é sabido que Portugal é “medalha de ouro” no que respeita à pobreza energética, de que muito há para fazer no que respeita à eficiência energética das habitações e à utilização de tecnologias renováveis que contribuam para a sustentabilidade ambiental. Acresce, que volta e meia se ouve que não vamos conseguir utilizar os fundos comunitários do PRR, para além das decisões esquizofrénicas e lesivas para o meio ambiente em que se recorre ao abate de sobreiros para “plantar” painéis fotovoltaicos quando não faltam telhados e coberturas disponíveis para os receber. Da leitura das reclamações e de conversas com entidades ligadas ao processo, verifica-se que não existe equidade nas decisões tomadas, ou seja, a decisão de elegibilidade de uma candidatura muitas vezes depende da experiência do perito. Aparentemente, os avaliadores inexperientes terão recebido uma cartilha publicada em dezembro de 2023, dois meses após o fecho da submissão das candidaturas e ignoram o caminho feito desde a publicação do aviso de abertura do concurso (Aviso) a 18 de julho de 2023.

Aliás, só assim se compreende que em resposta a uma contestação fundamentada utilizem exatamente o mesmo email formatado, negligenciando por completo a argumentação. Uma das pérolas deste processo prende-se com a republicação do Aviso no dia 11 de agosto de 2023, a escassos 5 dias da abertura da plataforma para submissão de candidaturas. O que foi apelidado de “esclarecimentos” são, na verdade, alterações das regras do jogo, o que diz muito sobre a boa-fé dos responsáveis, à data, por este processo. Assim, promoveram a alteração do ponto 5.9 do Aviso em que passou a ser requerido o certificado energético, antes e após a intervenção, se o valor das faturas apresentadas (sem IVA), no conjunto das candidaturas, ultrapassasse 5000€ quando anteriormente se lia que o certificado só era necessário se o montante dos apoios ultrapassasse os 5000€. Ora, nos programas de apoio anteriores, o certificado energético só era requerido em substituição das evidências fotográficas.

A publicação de 18 de julho vinha em linha com os regulamentos anteriores, mantendo a previsibilidade e havendo proporcionalidade entre o que era requerido e a dimensão da intervenção. O mais caricato é que o documento de 11 de agosto é incongruente porque no ponto referente aos documentos requeridos para a candidatura continua a ler-se que o certificado energético só é obrigatório se o montante dos apoios ultrapassar os 5000€! Esta incongruência só ficou sanada no dia 13 de setembro de 2023 com nova republicação do Aviso. Assim, do ponto de vista jurídico parece-meclaro que, no mínimo, todas as candidaturas realizadas até esse momento, teriam de ser analisadas à luz do Aviso publicado a 18 de julho. Em suma, perante tanta incompetência intencional (II) não há IA que nos valha, aguardemos que prevaleça o bom senso dos atuais responsáveis.